Introdução
Para que a criança com necessidades especiais seja verdadeiramente incluída na EF, não basta estar no mesmo espaço físico ou participar de algumas atividades, mas ela deve fazer parte do grupo e participar de todas as brincadeiras e atividades desenvolvidas durante a aula, mesmo que necessite de ajuda e apoio do professor e de outros colegas. Porém este apoio, não deve transformar-se em super proteção, pois esta ao invés de contribuir, tende a dificultar o processo de inclusão.
Entender como a criança com necessidades especiais elabora e estrutura seu conhecimento sobre o mundo facilitará a aquisição de sua autonomia e independência, necessárias à sua inclusão. Devemos oferecer à criança oportunidades de aprendizado individual e coletivo que lhe permitam, nas ações perceptivo-motoras, reconhecer a si próprio, os elementos constitutivos do seu corpo e quais são suas possibilidades de ação diante do meio.
A estimulação deve consistir de atividades que visem a intensificar a interação do ambiente com a criança de maneira que seu desenvolvimento ocorra o mais próximo possível da idade cronológica. A estimulação deve basear-se em ações perceptivo-motoras, propostas em forma de jogos e/ou atividades ginásticas, com caráter socializador e, sempre que possível, também lúdico, tendo em vista atingir os objetivos de formar um indivíduo participativo, autônomo, independente e crítico.
O desenvolvimento da criança começa pelo reconhecimento de sua própria corporeidade, pois é via organização corporal que todo ser humano estabelece relações com os objetos e os indivíduos que fazem parte de seu ambiente.
No processo de intervenção no campo da EF, primeiramente devem ser estimuladas as formas como as crianças podem agir sobre os objetos com a finalidade de aprender, reconhendo suas propriedades, identificando suas múltiplas possibilidades de utilização individuais e coletivas estabelecendo relações lógico-matemáticas, ao memso tempo que executam ações comunicativas para aperfeiçoar sua linguagem, à luz das reflexões em torno das atvidades executadas (Coletivo de autores,1992).
Alguns objetivos que podem ser alcançados nas aulas de Educação Física para crianças com necessidades especiais são mencionados na obra de Palafox (1998) :
Identificar, reconhecer, comparar, agrupar e/ou classificar os elementos constitutivos e as propriedades do corpo, dos materiais utilizados e das práticas sociais manifestadas na aula, com atividades que tenham sentido, sejam desafiadoras e enfatizem a superação do egocentrismo e/ou individualismo.
Socializar permanentemente em todas as experiências de aprendizagem, fomentando a autonomia, a capacidade criativa, a busca do prazer pelo que se faz e o acesso à possibilidade de mudança de regras, tendo a organização grupal como fonte de resolução de problemas.
Ainda esse mesmo autor se refere, como objetivos mais específicos, aos elementos psicomotores e cognitivos que são subjacentes ao desenvolvimento da criança:
Esquema corporal;
Noções espacial e temporal;
Habilidades motoras básicas;
Desenho e escrita;
Lateralidade;
Coordenação fina e grossa;
Atenção;
Expressão oral e estimulação para a leitura;
Percepção sensorial e memória;
Equilíbrio e controle muscular;
Criatividade.
Ao meu ver esses objetivos referidos serão mais bem alcançados se as atividades forem desenvolvidas, sempre que possível, em forma de jogos e de brincadeiras, pois eles são a melhor maneira da criança comunicar-se, questionar e explicar. São os instrumentos para relaciornar-se com o mundo, projetando seu universo interior e recriando as relações com os que convivem no grupo social. Por meio dos jogos e das brincadeiras, a criança tem a oportunidade de confrontar seu ponto de vista com os demais colegas. Nessa interação, começa a considerar a existência de diferentes pontos de vista, e isso favorece a construção de sua identidade, contribuindo também, para o seu processo de socialização.
Brincar ou jogar para a criança com necessidades especiais é determinado por suas características peculiares. Por meio do jogo e da brincadeira pode ser estimulado o seu desenvolvimento nos aspectos socioafetivo, motor, sensorial e cognitivo. Salientando que os jogos para as crianças com necessidades especiais não irá diferir daqueles usados para crianças não 'deficientes', a diferença se encontra apenas nas estratégias metodológicas utilizadas, e estas deverão priorizar as características de desenvolvimento biológicas, afetivas e cognitivas, suas necessidades, interesses, capacidades e limitações individuais decorrentes também da deficiência.
Tendo em vista o processo de inclusão social no contexto da escola regular de ensino, poderão utilizar como conteúdo do jogo algumas sugestões do Coletivo de autores (1992):
Jogos que possibilitem o reconhecimento de si mesmo e de suas possiblidades de desenvolvimento;
Jogos que possibilitem a identificação da capacidade de movimento com os materiais para jogar, seja em ambiente natural, seja em ambiente construído pelo homem;
Jogos que explorem a motricidade fina e grossa por meio da expressão de desenho, mímica e pintura;
Dinâmicas em grupo que possibilitem a criação de jogos, definindo coletivamente os objetivos e as regras.
Ao escolher os jogos, o educador deve priorizar os mais atrativos, que estimulem a participação de todas as crianças e não ressaltem as diferenças individuais. Assim, nos jogos e nas atividades em grupo deve predominar o caráter de cooperação, de construção conjunta, em que cada um contribua, de acordo com sua capacidade, para o produto final do grupo, com ênfase no processo.
A pesquisa de campo
Este estudo se caracteriza como uma pesquisa exploratória no campo da Educação Física inclusiva, uma vez que realiza uma aproximação da temática com a realidade dos professores de Educação Física. O método utilizado foi o da pesquisa de levantamento, onde vinte professores que atuam no ensino fundamental, foram entrevistados através da técnica de entrevista, e esta se encontra anexada ao projeto. Esses professores pertencem a instituições públicas situadas nos bairros do Jequiezinho e do centro do município de Jequié- Bahia.
O discurso dos professores sobre a Educação Física como meio de inclusão social
Diante das informações coletadas nas entrevistas realizadas com os professores de EF, na sua grande maioria com experiência superior a três anos em Educação Física escolar, foi possível levantar alguns discursos. A maioria dos professores tem conhecimento das novas perspectivas da educação, afirmam 'trabalhar com a Educação inclusiva em suas aulas', e ratificam em suas falas que 'nenhum de seus alunos PNE's são dispensados das suas aulas'. Estes professores declaram que 'quando necessário eles também fazem adaptações para que esses alunos participem', sendo assim pensam que a participação deles é importante fazendo com que haja uma integração já que eles realizam atividades juntos com os outros alunos. Na questão que versava sobre' Há dificuldade em adaptar suas aulas?' todos responderam que sim e dezoito justificaram que era por causa da falta de materiais necessários e falta de local adequado para o desenvolvimento de um trabalho mais qualificado e apenas dois afirmaram não obter apoio da escola. Uma outra questão importante da pesquisa era ' o Para Pan influencia de que forma no ensino escolar com relação aos deficientes nas aulas de Educação Física? ' e todos os professores afirmaram que era um evento de suma importância pois favorecia o estímulo da prática desportiva pelas crianças PNE's, servindo de grande exemplo de vontade e superação. Mas em uma das questões, considerada chave nesta entrevista, que foi verificar se ' A EF para crianças PNE's deve continuar sendo "Educação Física adaptada?" para a surpresa dos pesquisadores diante de respostas tão otimistas no desenrolar das entrevistas, não se esperava que 90% dos informantes dissesem que "sim". Acreditamos então, que os professores não fizeram ainda a distinção entre os conceitos de Educação Física adaptada e Educação Física inclusiva, ou seja o debate e a continuidade dos trabalhos junto aos profissionais é muito importante para a conquista de uma nova mentalidade à escola brasileira do que seja a formação de jovens integrados e com seus preconceitos reconceituados.
Conclusão
A partir desses dados relevantes, investigamos que há possibilidade de se trabalhar a educação inclusiva nas aulas de EF, partindo do princípio que a escola deve estar disposta em receber e principalmente desenvolver esse novo sistema de inclusão. Cabe portanto a escola e ao professor de EF, que visa uma formação global de seu aluno (corpo e mente), proporcionar oportunidades a esses alunos para eles participarem das aulas, visto que para eles é importante para o seu desenvolvimento social, físico, motor e principalmente afetivo. A pesquisa empírica demonstrou que os professores tem um norteamento para esse tipo de trabalho, mas a questão que fica é: Será que eles têm realmente trabalhado os conceitos sobre crianças PNE's? Já que eles acham que a EF para esses alunos deve continuar sendo EF adaptada? Ou será que a Educação Inclusiva na representação destes professores ainda está centrada unicamente nos alunos deficientes? Devemos pensar que enquanto criamos adaptações na educação, sem saber se elas serão necessárias ou não, é importante verificarmos se o grupo que está envolvido quer mudança ou não, porque senão iremos cair na divisão dos grupos, o que acaba gerando privilégio para alguns, onde teria que haver inclusão acabará tendo exclusão.
Por:
Ramon Missias Moreira - Discente em formação do curso de Licenciatura Plena
em Educação Física, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB, Campus Jequié.
Fonte:http://www.efdeportes.com/efd116/a-educacao-fisica-como-meio-de-inclusao-social.htm
sábado, 30 de outubro de 2010
sábado, 23 de outubro de 2010
Yoga na escola: a aprendizagem como uma dimensão interdisciplinar
Introdução
Na educação do ser humano todas as estruturas devem ser ativadas, e isso nos move a compreender o sujeito a partir de suas estruturas que são: corpo, organismo, estrutura lógica e estrutura simbólica. As duas primeiras estruturas dizem respeito à subjetividade e as últimas à objetividade na aprendizagem. Na educação do homem todas as estruturas devem ser ativadas, pois se apenas uma não for considerada ou omitida, a interação torna-se limitada e, portanto, fragmentada.
Segundo Pain (1985) o corpo é o órgão, o lugar onde ocorre a aprendizagem. Aprendemos porque possuímos um corpo. O corpo é o lugar de referência do eu, é o espaço da identificação do eu do sujeito. Portanto, sem corpo não há sujeito. O corpo é toda estrutura orgânica inteligente que serve de suporte para a aprendizagem, é um todo: membros inferiores e superiores, tórax, cabeça, etc.
O corpo é verdadeiramente o órgão da aprendizagem. Se há um automatismo, é porque o corpo chegou a uma coordenação boa o suficiente para que seja gravado. [...] Toda a aprendizagem deve passar pelo corpo porque toda a aprendizagem é um modo de coordenação entre o corpo e um sistema sensorial. [...] Porém, o corpo não é importante somente porque entra em jogo na relação sensório-motora, mas também, mas também porque é nele que se dá ao mesmo tempo uma ressonância emotiva do ato que se está realizando. Ao mesmo tempo em que se produz uma coordenação sensório-motora se produz uma ressonância da emoção que esse ato desperta e que é chamado de vida afetiva e emocional. Essa vida afetiva ou emocional acompanha todo o tipo de pensamento, de imagem porque é contemporânea à sua efetuação (PAIN, 1985, p.6).
O sujeito, ao incorporar os conhecimentos, também transforma todo o seu corpo para seguir naquela determinada direção. A aprendizagem por isso, também é uma metabolização em nível celular. Esse processo ocorre através de uma linguagem própria, pois o corpo é responsável pela captação das informações (assimilação) e pelo registro dessas informações (acomodação).
Conforme Souto (2009), o conteúdo histórico do yoga é o resultado do desenvolvimento de muitas épocas. Suas origens mais primitivas estão perdidas na obscuridade da história antiga. Existem provas decisivas de que o yoga não é apenas um produto do último período das Upanishad, mas remonta ao Rgveda. De acordo com os estudiosos contemporâneos, entre os quais o proeminente professor Mircea Eliade, traços de uma antiga forma de yoga podem ser percebidos já na civilização do Indu, que floresceu nos segundo e terceiro milênios anteriores à Era cristã. O mais significativo testemunho dessa civilização é, sem dúvida, o conjunto de livros denominado "Rgvda" (coleção com mais de 1000 hinos compostos há 2000 anos a.C. Através de estudos sabemos que Patanjali, que viveu 200 anos antes de cristo, é chamado de pai do yoga, por ter sido o primeiro a escrever o que antes era passado oralmente de mestre, guru, a discípulo, chela. Foi ele quem editou os aforismos do yoga, que constituem o manual do Raja yoga. A palavra yoga provém do sânscrito "YUG" e significa UNIÃO. Refere-se a união do corpo, da mente e das emoções, no sentido de obter um equilíbrio entre estes três aspectos.
O yoga é uma união do eu ou consciência individual com o espírito divino interior, a união entre corpo, mente e alma é o estado de hiper consciência que o ser humano atinge ao conseguir o objetivo final de uma aula.
Yoga é união do ser com o universo. Jamais será uma religião e sim uma filosofia de vida. A origem histórica do yoga se encontra tanto no SHRUTI ou naquilo que é ouvido, refere-se à transmissão oral, ou seja, aquilo que os mestres ouviam em seus estados profundos de consciência e então transmitiam para os seus discípulos. SMRITI - memória ou interpretação, mas como uma forma informal de doutrinas e métodos principalmente UPANISHADS (comentários sobre os vedas). Foi com a codificação de Patanjali que o yoga assumiu uma estrutura definida. Patanjali, mestre yogue que viveu na India, foi o primeiro sábio a deixar algum legado de yoga por escrito em seu livro Yoga Sutra, concebido por volta de três séculos antes de Cristo. Patanjali se manteve fiel à tradição, nada criou ele apenas reagrupou os conhecimentos já existentes dando ao yoga sua forma clássica, motivo pelo qual ao se referirem a essa escola, os estudiosos usam o termo Yoga Clássico.
Sete linhas ou ramos do clássico yoga: 1) Hatha-Yoga - significa força, usa o corpo como ponto de partida ativando os chacras e desobstruindo as nadis; 2) Karma-Yoga - é o yoga das ações desinteressadas, prega o desprendimento, o perdão e o amor; 3) Gnana-Yoga - sabedoria ou conhecimento; 4) Bhakti-Yoga - procura a união do ser ao seu ideal, através do amor intenso; 5) Mantra-Yoga - usa o domínio do som interno e externo, pode ser vocalizado, murmurado ou mentalizado.Se utiliza um japamala, um rosário de cento e oito contas; 6) Tantra-Yoga - emprega a prática das energias psíquicas e fisiológicas; e, 7) Raja-Yoga - estuda e desenvolve todas as potencialidades dos mecanismos da atividade mental, a palavra raja significa real.
O primeiro nível de yoga consiste nos princípios éticos e deve nortear a vida de todo praticante. Apenas treinar as posturas físicas sem respeitar esses princípios não é praticar yoga em sua verdadeira essência, é simplesmente fazer contorcionismo.
Em sua obra Yoga Sutra, Patanjali codificou o yoga em oito partes ou membros: 1º) Yama - como o yoga deve se relacionar com o mundo (Ahimsa - não violência, em atitudes, atos, palavras; Satya - verdade, não mentir; Asteya - integridade, não roubar nem bens matérias nem idéias; Brahmacharya - contensão de energia; Aparigraha - desapego, não acumular desnecessariamente); 2º) Niyama - é como o yoga deve se comportar consigo mesmo (Saocha - limpeza ou pureza, do corpo tanto externa quanto interna. A limpeza externa através de banhos e a limpeza interna através de posturas físicas "asanas"; Santosa - autocontentamento, o reconhecimento de tudo que se tem e a apreciação da abundância do universo; Tapah - autoesforço, disciplina, desejo ardente, é preciso aplicar toda a nossa força de vontade para conquistar os nossos objetivos; Svadhyaya - estudo de si mesmo que conduz ao autoconhecimento observar permanentemente seus atos, palavras, pensamentos, emoções e físico; Lishvara pranidhana - entrega, depois de observar todos os yamas e niyamas, o yoguim deve render-se a energia suprema e entregar-se completamente ao poder do universo); 3º) Asanas - significa literalmente: "postura confortavelmente mantida". A finalidade principal é sempre de natureza mental, vencendo a inquietude e a fragilidade da mente, facilitando a concentração. Agindo sobre a musculatura, interferindo no aparelho circulatório, no sistema nervoso, estimulando glândulas e ativando chacras; 4º) Pranayama - é o controle da bioenergia através da respiração, é a ponte entre o físico e o espiritual, os pranayamas acalmam, energizam, refrescam e promovem a limpeza dos canais energéticos estimulando o sistema endócrino; 5º) Pratyahara - introspecção, abstração do sentido, silenciar a mente, ficar imóvel, observar o lago como se fosse sua mente, as ondas que agitam as águas sem se deixar envolver pela tristeza ou alegria, pela ansiedade, pelas emoções. As águas se acalmam, é a união com o Divino; 6º) Daharana - concentração, controle da mente, é o requisito para a meditação, é necessário vivenciar o momento presente, o aqui e o agora; 7º) Dhyana - meditação "a parada gradativa das ondas mentais" a meditação é a interiorização da consciência. As disciplinas que "olham" para dentro podem ser encaradas como disciplinas de meditação; e, 8º) Samadhi - iluminação, quando a consciência se espande permeando todo o ser.
O processo de aprendizagem do conhecimento nunca está acabado, e pode enriquecer-se com qualquer experiência. A educação primária pode ser considerada bem sucedida se conseguir transmitir o impulso e as bases que façam com que continuem a aprender ao longo de toda a vida. Como bem diz Delors (2001, p.92) “Aprender para conhecer supõe, antes de tudo, aprender a aprender, exercitando a atenção, a memória e o pensamento”.
Com esse propósito utilizou-se como prática de aprendizagem interdisciplinar o yoga no Estágio Supervisionado III das Práticas Curriculares do Curso de Educação Física Licenciatura – UFSM, com Séries/Anos Iniciais do Ensino Fundamental, numa Escola Estadual no município de Santa Maria/RS, com vinte e três (23) alunos da terceira (3ª) série do ensino fundamental, aulas de Yoga como forma de consciência corporal, desenvolvimento de suas capacidades motoras, equilíbrio, lateralidade, sensações, emoções, maior concentração, reflexão, memorização, socialização, respeito, solidariedade. A partir do Projeto Político Pedagógico (PPP) da Escola que abrange a Educação Física para as séries iniciais, foi realizado fazer um planejamento e cronograma das aulas que seriam ofertadas para essa turma. Acredita-se que no momento que fosse incorporado o yoga nas Escolas este se tornaria interdisciplinar pela relação das práticas pedagógicas com as quais trabalha, principalmente com a memória, autocontrole, reflexão, socialização, paciência, ansiedade, respiração, relaxamento, postura, harmonia mental e física, beneficiando e impactando todas as disciplinas curriculares atuais.
O yoga reflexivo como forma de aprendizagem interdisciplinar
A interdisciplinaridade ampara uma visão de que o homem e o mundo são por princípios indivisíveis, contudo o homem não se percebe assim, e como ativar o que é por princípio indivisível, mas antropologicamente dividido. Portanto, o princípio interdisciplinar é a ação de conjunto que em seu efetivar se torna consciente.
O homem se percebe fragmentado, mas é por princípio interdisciplinar, da mesma forma que sustenta nas relações com o mundo, sendo a interdisciplinaridade uma estratégia de ação.
A interdisciplinaridade na educação objetiva-se pela formação integral do ser humano. Mas, como implementar na escola e no processo de ensino-aprendizagem práticas interdisciplinares?
Nesse estudo pretendeu-se efetivar o entendimento das relações interdisciplinares na Educação Física Escolar transversalmente ao ato pedagógico, e também estabelecer critérios de avaliação da dimensão interdisciplinar em práticas pedagógicas através do yoga como modo de introduzir relações das práticas pedagógicas reflexivas com a Educação Física Escolar.
A reflexão como forma de aprendizado por meio do yoga nos induz a importância de construir um aluno reflexivo em todos os níveis da sua escolarização, pois ao se instruir esses alunos para o ensino reflexivo, contestador, argumentativo desde os primeiros anos da escolarização ter-se-á alunos mais críticos, conscientes, e como bem diz Freire (1996) que a consciência reflexiva deve ser estimulada, pois é uma maneira de o educando vir a refletir sobre sua própria realidade. Quando se compreende a realidade, pode-se levantar hipótese sobre o desafio dessa realidade e procurar soluções.
Referindo-se à Educação Física Escolar reflexiva, Krug (1996) salienta que partindo do pressuposto de que a qualidade do ensino depende da possibilidade da reflexão sistemática sobre a sua prática, o Professor precisa redimensionar seu pensamento e sua ação. Nesta perspectiva, acredita-se que o Professor que atua com reflexão sobre a sua ação pedagógica também poderá oportunizar ao seu aluno a possibilidade de vir a refletir sobre as atividades da Educação Física Escolar.
A partir da reflexão constata-se que o aprendizado com esses alunos se daria de uma forma gradativa, respeitando o limite de cada um e incluindo todos os alunos nas aulas de yoga, pois somos partidários do pensamento de Furter (1985, p.32):
A reflexão é um pensamento ao segundo grau, no qual o homem repensa o que está dizendo. Assim, refletir é olhar a própria ação de maneira particular e à distância, para melhor julgar o que está fazendo, ou o que se faz, ou ainda o que se fará. A distância é necessária, para se dar uma significação própria às ações, isto é, medir as dimensões e as conseqüências dos próprios atos, orientar-se neles. A reflexão é um esforço de autocrítica, que permite desfaze-se das falsas justificativas e representações. É, ainda, criativa porque dá segurança na escolha das opções, e consequentemente, maiores possibilidades de realizações. Assim, a reflexão é ao mesmo tempo crítica, dialética e inovadora.
Com a reflexão fica claro que a aprendizagem não se destina apenas a um só trabalho, mas tem como objetivo mais amplo preparar uma participação formal e informal no desenvolvimento do educando – educador. Essa visão abrangente conduz a perspectivada atitude da ação interdisciplinar que não é isolada, pois se refere a um contexto de relações abrangentes, e estas, se estabelecem entre parceiros, na sala de aula em uma disciplina, de um setor na escola, a escola como um todo ou até a escola com a comunidade. O mais importante é a superação da visão fragmentada dando à ação um sentido de conjunto. Assim é o movimento auto-reflexivo porque dele sai à força para estabelecer relações de conjunto, sendo que quanto mais avançado for à disciplina ou o indivíduo maior será seu benefício numa relação interdisciplinar, ou seja, quanto maior for à capacidade disciplinar maior será a capacidade de interdisciplinar.
Para Fazenda (1994), as práticas interdisciplinares têm como fundamentos: a) Ser um processo dialético de superação de paradoxos (novo torna-se velho e o velho torna-se novo), ou seja, a busca pelo saber e a sua reconstrução devem ser contínuas; b) A interdisciplinaridade é um processo de resgate da memória através da revisão dos registros das práticas docentes para que estes se tornem materiais de pesquisa, trata-se da ressignificação das práticas vivenciadas; c) A parceria, pois é através dela que se estabelece o diálogo permanente com os parceiros; esse processo de construção conjunta e contínua é que garante a instauração de práticas interdisciplinares; d) A interdisciplinaridade ocorre em sala de aula à medida que se ressignifica o instituído nas relações de ensino-aprendizagem (professor-aluno); e, e) A interdisciplinaridade é feita pelas pessoas e não pelas disciplinas através dos itinerários comuns entre parceiros, do movimento pelo resgate à totalidade do conhecimento, da revitalização e revisão contínua dos percursos através do questionar, pensar, construir e reconstruir.
A interdisciplinaridade nas práticas escolares depende da atitude ou comportamento interdisciplinar caracterizado pela ousadia do novo, responsabilidade, cooperação, flexibilidade. As práticas interdisciplinares são condição de transformação da visão de mundo na formação do educando. Através dela ele pode exercer sempre mais a ação humanizadora sobre o mundo em que vive.
Implantação de práticas interdisciplinares através do yoga
A interdisciplinaridade é princípio de ação, modo de ação, e não ação acabada ou definida. Produz uma formação menos fragmentada no processo de assimilação dos diversos saberes os quis os alunos devem dominar durante sua formação.
A interdisciplinaridade é um termo de múltiplos significados e interpretações, mas que certamente traz uma nova visão para a construção do conhecimento em busca da sua totalidade. Pode-se compreender, com base em Japiassu (1976), que a interdisciplinaridade em sua forma mais simples é a interação entre duas ou mais disciplinas caracterizando-se através das trocas entre os especialistas e especialidades (disciplinas, ciência, etc.), sendo, assim, a interdisciplinaridade uma colaboração, troca recíproca e mútua entre as disciplinas.
Conforme afirma Palmade (1979 apud Frieda, 2006, p.18):
Deve-se pensar na interdisciplinaridade como um processo de integração recíproca entre várias disciplinas e campos de conhecimento “capaz de romper as estruturas de cada uma delas para alcançar uma visão unitária e comum do saber trabalhando em parceria”.
Segundo Lenoir (1998 apud Pereira, 2007, p.51),
As opções epistemológicas para a interdisciplinaridade escolar têm-se caracterizado pelo estabelecimento de conexões entre duas ou mais disciplinas (abordagem relacional), ou pelo estudo de conceitos ou temas de aspecto amplo, valorizando a substituição do conhecimento dividido em disciplinas por uma unidade do saber, por um tema (abordagem radical). A concepção mais comum, encontrada na literatura, e entre professores, é de que a interdisciplinaridade se constitui de uma integração de conteúdos.
Os estudos desses autores vêm ao encontro do que pensam Scaglia e Medina (2008), que por sua vez dizem que na interdisciplinaridade duas ou mais disciplinas relacionam seus conteúdos para aprofundar determinados conhecimentos projetando condições para a melhoria da qualidade do ensino mediante a superação contínua de sua já clássica fragmentação, uma vez que orienta a formação global do ser. Essa formação integral ocorre na medida em que os educadores estabelecem o diálogo entre suas disciplinas.
Com isso, Fazenda (2001 apud Pereira, 2007, p.25) ressalta que:
“qualquer trabalho do gênero deve ir muito além de misturar intuitivamente geografia, química, matemática e português. O que é ser interdisciplinar então? "É tentar formar alguém a partir de tudo que você já estudou em sua vida", define. O objetivo dessa metodologia, em sua opinião, também é bem mais profundo do que procurar interconexões entre as diversas disciplinas. Ela serve para "dar visibilidade e movimento ao talento escondido que existe em cada um de nós".
Para os autores Scaglia e Medina (2008), os educadores exercem um papel de extrema importância dentro da perspectiva interdisciplinar onde o mesmo deve dominar diferentes conhecimentos bem como seus objetos, estratégias, métodos e conceitos.
A respeito da prática docente Pereira (2007, p.86):
Na prática docente percebemos a necessidade de fortalecer o entendimento da função social do educador, a partir da crença de que o sujeito muitas vezes não se percebe parte do processo educativo o que fortalece suas ações reprodutivas e recortadas do todo. Neste sentido percebemos a necessidade de estratégias que garantam o emparedamento do docente, assumindo-se e percebendo-se como ser interdisciplinar, o que permitiria reflexões teoricamente fundamentadas na sua prática docente.
Estudos desses autores correspondem uma aflição, no sentido de mostrar que a interdisciplinaridade acaba sendo o caminho mais correto para se atingir à transdisciplinaridade, é experimentar a realidade global inscritas no dia-a-dia do educando, do educador e do povo, que no conservadorismo escolar, é compartimentada e fragmentada.
Atingir à transdisciplinaridade, segundo Scaglia e Medina (2008), a transdisciplinaridade equivale um dos “estágios mais avançado entre os modos de produção do conhecimento.
Este é o objetivo de sair-se da zona de comodismo fragmentado das disciplinas partindo assim para um ensino interdisciplinar, falar de transdisciplinaridade nesta pesquisa com o yoga, quer dizer falar sobre os conceitos que regem esse sistema. Ainda com os mesmos autores a transdisciplinaridade corrobora com a interdisciplinaridade, dessa forma busca também compreender o conhecimento além das disciplinas fragmentadas por seus objetos, linguagens e métodos; mas superando a interdisciplinaridade, porque ultrapassa a união de diferentes linguagens inerentes às disciplinas, buscando uma linguagem própria e ainda por exigir posturas e atitudes abertas aos fenômenos, sendo eles culturais, étnicos, científicos ou religiosos.
Implementou-se práticas de aprendizagem interdisciplinares após ter o conhecimento/análise/diagnóstico da turma que foi executado através de observação, entrevistas com a Diretora, com a Professor titular da turma e conversa com os alunos.
Vasconcellos (1995, p.61), considera:
O ponto de partida da elaboração do plano de ensino - aprendizagem é a Análise da Realidade. Trata-se do esforço no sentido de captar e entender a realidade, tal qual se encontra no presente, sua articulação histórica, em vista de sua transformação. Envolve análise pedagógica, além da política, econômica, social e cultural. Aponta limites e possibilidades; ajuda a equacionar os problemas.
Após esses dados, efetuou-se um Cronograma de Atividades que estivessem contempladas no PPP da Escola. Como os seus objetivos e conteúdos estão “abertos” e abrangentes, teve-se a facilidade de adequar a realidade da turma com os conteúdos e maneiras que trabalharíamos no segundo semestre do ano letivo de 2009.
A operacionalização deu-se através dos Planos de Aula confeccionados sempre uma semana antes da aula, para que fossem discutidos com os alunos, quais sejam: 1) Objetivo da Aula; 2) Tempo de duração da Aula; 3) Dia da Aula; 4) Materiais; 5)Aula (Parte Inicial – Diálogo: Relacionar as atividades que serão trabalhadas e estabelecer relações com outras disciplinas; Primeira Atividade; Segunda Atividade; Terceira Atividade; Quarta Atividade); 6) Relato da Aula (Pontos Positivos; Pontos Negativos; Alternativas de Ação); 7) Reflexão.
Com esse processo de Planejamento os alunos estabelecem relações com outras disciplinas, fortalecem a memorização, fazem ligações de conteúdos, sendo possível desenvolver os conteúdos interdisciplinares porque são relativos a todas as disciplinas da formação curricular, por isso surgem por seu conceito um conjunto de saberes que são relevantes e integram o processo de ensino aprendizagem em todo o sistema educacional.
Vasconcellos (1995, p.63), propõe que:
O Planejamento deve partir da realidade concreta tanto dos sujeitos, quanto do objeto de conhecimento e do contexto em que se dá a ação pedagógica. O primeiro passo do educador, enquanto articulador do processo de ensino - aprendizagem deverá ser no sentido de conhecer a realidade com a qual vai trabalhar (alunos, escola, comunidade), além é claro do imprescindível autoconhecimento, do conhecimento do objeto de estudo e da realidade mais ampla que todo educador deve ter. Uma referência importante, especialmente quando se inicia o planejamento mais sistemático, é a avaliação do trabalho do ano existente.
As aulas são organizadas a partir das interações que os sujeitos estabelecem, com os outros e consigo mesmo, pois com as interações o sujeito vai adquirindo a capacidade de relacionar os fenômenos com maior amplitude e complexidade. Com isso, o sujeito visa o autoconhecimento construindo a sua identidade e comunicando-se com os outros.
Cada aluno possui um Diário de Educação Física onde relata as aulas, expõe se as atividades foram condizentes com as planejadas pelo grupo, descreve os pontos negativos, positivos, sugerem alternativas e fazem sua reflexão. Expressam os fatos e os dados da determinada relação. Expressam também a capacidade de saber fazer atuando de maneira eficaz ou não. Assim o aluno recebe estímulos para realizar atividades e colocar em prática os conteúdos aprendidos através dos três componentes: cognitivo (conhecimentos e crenças), afetivo (sentimentos e preferências) e de conduta (ações manifestadas e declarações das intenções).
A Educação Física como aprendizagem interdisciplinar pelo viés do yoga
No que se refere à Educação Física no Brasil, sabe-se que a sua prática pedagógica esteve desde cedo penetrada e influenciada pela ciência, mais especificamente pela ciência moderna do século XIX com a ginástica francesa de Demeny. Contudo, os marcos referenciais dos vínculos mais estritos que se estabelecem entre a comunidade acadêmica são muito recentes, no decorrer dos anos 1970.
Como salienta o Coletivo de Autores (1992), no século XVIII e início do século XIX a Educação Física desenvolvida na escola representou um espaço de construção de um homem mais forte, mais ágil e mais empreendedor. O foco era dado aos exercícios físicos, que eram entendidos como receita e remédio, de modo que, os hábitos de higiene difundiram-se na época, inicialmente na Europa, influenciando e conquistando espaço nas aulas de Educação Física. O cuidado com o corpo corresponde a uma necessidade a ser cumprida pela sociedade.
Nas palavras de Bracht (1999, p.75), “A pedagogia da Educação Física incorporou, sem necessidade de mudar seus princípios, essa ‘nova’ técnica corporal, o esporte”.
De acordo com Pinto et al. (2007), a Educação Física apresenta diversas áreas de atuação, mas ser professor de Educação Física na escola implica que o acadêmico em formação aprenda os conhecimentos inerentes à área, bem como técnicas; metodologias; estratégias; formas de trabalho que lhe permita exercer a profissão de professor com êxito.
Através das aulas de Educação Física, com o viés no planejamento, objetivado pelas aulas de yoga, estruturou-se a construção/reconstrução na prática da interação com os alunos, as crítica positivas e negativas, alternativas, constituindo assim um total engajamento professor-aluno.
Verifica-se que Oliveira (1999, p.62) assim se expressa em relação à participação e envolvimento do aluno:
Temos hoje na escola a presença maciça de alunos de todas as classes sociais, com toda a pluralidade de modos de viver e pensar, assim os desafios da escola se ampliam. Sua função não se limita a transmitir conhecimentos. A intenção educativa deve estar orientada para provocar a organização das informações que chegam fragmentadas e acríticas; deve estimular a participação ativa e crítica dos alunos, nas diferentes tarefas que se desenvolvem na sala de aula.
Hofmann (2000, p.34) também concorda com a importância de se conhecer melhor o aluno. Afirma isso quando diz:
O significado primeiro e essencial a ação avaliadora mediadora é o “prestar muita atenção” nas crianças, nos jovens, eu diria ”pegar no pé” desse aluno mesmo, insistindo em conhecê-lo melhor, em entender suas falas, seus argumentos, teimando em conversar com ele em todos os momentos, ouvindo todas as suas perguntas, fazendo-lhe novas e desafiadoras questões “implicantes” até na busca de alternativas para uma ação educativa voltada para a autonomia moral e intelectual.
Práticas educativas e reflexivas com o yoga na escola
A escola é o local apropriado para a reflexão sobre diversas questões, inclusive à questão ambiental tão debatida. Entretanto, essa temática acabou limitando-se a algumas áreas do conhecimento, como as Ciências Naturais, Geografia, História. A prática pedagógica na escola ainda se mantém conservadora e resistente a mudanças, predominando a reprodução do conhecimento científico nas dimensões físicas, químicas, como exemplo, de forma fragmentada, sem diálogo e análises aprofundadas das relações socioeconômicas, políticas e culturais que envolvem as questões ecológicas. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) instrumentalizam a escola para estas reflexões: O yoga não se deve constituir numa disciplina engessada, e sim abrangendo todo o seu entorno, entende-se não apenas o entorno físico, mas também os aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos inter-relacionados.
Tricoli (1993) ao refletir sobre a questão da qualidade de ensino fundamental e médio, ou melhor, sobre a deterioração do mesmo, vincula esse problema à formação de professores, pois a universidade é instituição que inclui, entre os seus objetivos, o de formar professores. Matos (1994) parte da convicção de que o professor é fundamental para a melhoria do processo ensino-aprendizagem.
Com isso, o caminho para se buscar melhores condições de ensino-aprendizagem, e fazer com que o professor reflita sua práxis, é melhorar a formação, bem como a prática pedagógica em situação de atuação.
Garcia (1992) destaca a necessidade de se conceber a formação de professores como um “continuum”, pois para manter a qualidade do ensino é preciso criar uma cadeia coerente de aperfeiçoamento, cujo primeiro nível é a formação inicial seguindo-se a formação continuada.
Segundo Krug (1996) a formação profissional, que perpassa pela reflexão, a partir de situações práticas reais, contribui para que o professor se sinta capaz de enfrentar situações novas e diferentes, de tomas decisões apropriadas e fundamentadas em um paradigma eficaz que interligue teoria e prática. Acrescenta ser indiscutível que apenas o professor que explicar e justificar a sua prática pode assumir com autonomia a sua docência.
Caminhos metodológicos
Conhecimento da realidade da Educação Física Escolar como suporte metodológico
Podemos pensar que a Educação Física tradicional (BRACHT, 1992; CASTELLANI FILHO, 1994) tinha em sua formação centrada não só das decisões sobre o que fazer, mas, também, a condução de um processo didático-metodológico onde a aprendizagem estava amparada nas crenças e valores do professor, o que, poderia não representar necessariamente a cultura (corporal) viva e dinâmica dos estudantes e da comunidade e seu entorno, identificando-se assim, mais como reprodutora do que crítica (BRACHT, 1992), na medida em que não havia promoção de um diálogo entre os participantes da ação.
Para a superação do modelo de educação bancária, Moreira (2004) enfatiza que a co-responsabilidade pela prática das atividades é uma possibilidade de ação nas aulas de Educação Física. Pires e Neves (2001) convergem com a idéia de Moreira (2004) quando sublinham a defesa do princípio de uma co-gestão em Educação Física como uma necessidade de abrir para os estudantes o processo de ensino-aprendizagem, percebendo-se, assim, “com vez e voz” (p.89).
Necessário se faz a promoção de uma prática compartilhada entre o Professor de Educação Física e seus alunos. Borges (1998) preceitua que os Professores de Educação Física descobrem uma relação existente entre sua formação inicial e a realidade de seu trabalho na sala de aula e na escola, porque estão diante das expectativas e necessidades de grupos de estudantes distintos, e são afrontados pelos conteúdos e normas que precisam seguir.
Suporte metodológico para a elaboração das aulas de yoga
Utilizou-se para essa realidade escolar como suporte metodológico para as aulas de yoga que é constituída pela tendência das Aulas Abertas segundo Hildebrand (1993), e pela Abordagem Crítico-emancipatória de Kunz (2001) as quais elucida-se.
A concepção de aulas abertas está em contraposição ao modelo de aulas fechadas, onde as decisões ficavam centradas no professor e seus interesses. Assim, Hildebrandt-Stramann (2001) enfatiza que a concepção de aulas fechadas é baseada nas concepções do professor e centrada no produto, nas “metas definidas e na intenção racionalista” (p.141) do planejamento, dos conteúdos e da avaliação do processo de ensino-aprendizagem, enquanto que a concepção de aulas abertas é orientada no processo, na problematização e na comunicação entre os sujeitos e o entorno. Parte, basicamente, da premissa de que a experiência dos estudantes é significativa para a construção de uma aula de Educação Física, exigindo uma participação maior de todos e não centrada nos interesses e nas decisões do professor.
Sob o ponto de vista crítico de educação voltada para o desenvolvimento da capacidade de ação, a aula de Educação Física deve configurar-se como um sistema de ação aberto. Nesse tipo de aula é importante que os professores e os alunos se entendam sobre o sentido das ações e, ao mesmo tempo, sobre os objetivos, conteúdos e métodos de aula e do esporte. (HILDEBRANDT-STRAMANN, 2001, p.142).
No contexto atual da educação física escolar, conforme Cardoso (2000), as aulas tratam do esporte competitivo de alto nível, considerando as crianças como objetos e não sujeitos da ação e ainda observa que a continuidade deste processo se dá pela falta de reflexão sobre suas conseqüências didático-pedagógicas e sociais. Essas premissas, portanto, ao falar-se de Educação Física e, neste contexto, se valeu das concepções criticas da Educação Física Escolar, se concentram justamente na possibilidade de legitimar a educação física e seus modelos renovadores, também nos espaços não-formais, inserindo-se aí, o trabalho com idosos em uma perspectiva de ensino.
As conseqüências se ilustram na redução da complexidade do sistema esportivo de acordo com duas regras: a de sobrepujar e a de comparar rendimentos objetivamente (HILDEBRANDT, 2003), assim os alunos sofrem um adestramento passando a reproduzir movimentos “corretos”, sendo obrigado, dessa maneira, a reprimir suas possibilidades criativas, culturais, expressivas e humanas de movimento.
Como forma de superação deste cenário “a concepção de aulas abertas em educação física considera a possibilidade de co-decisão nos níveis de planejamento objetivos, conteúdos e formas de transição e comunicação no ensino” (CARDOSO, 2000, p 123).
Nessa concepção a problematização, por parte dos professores, é freqüente a fim de que o aluno possa relacionar ao desafio proposto suas vivências anteriores e significativas, considerando as inúmeras formas em que este pode referir-se as especificidades da educação física, para que solucione (temporariamente, talvez) o problema.
Neste sentido, pensamos para as nossas aulas de Educação Física com o conteúdo yoga possibilitar a construção de diferentes maneiras de abordagens, dentre elas a de concepção aberta, pois com essa abordagem acontecem diferentes conseqüências sociais para os atores. Assim, a socialização e a interação assumem um caráter significativo na formação dos estudantes na medida em que há compreensão de que somos seres sociais e da dimensão do próprio processo de individualização, de desenvolvimento de cada indivíduo como ser único. Com isso, enfatizamos a idéia central de Hildebrandt-Stramann (2001) de que a prática educativa deve ser realizada considerando a experiência dos educandos e não somente a do professor, aproximando-se, assim, da compreensão do Coletivo de Autores (1992) sobre o entendimento de uma metodologia de ensino como forma de apreensão do conhecimento específico da Educação Física – a cultura corporal como linguagem social e historicamente construída.
Acredito que o movimento envolvendo a concepção de aulas abertas trouxe uma contribuição significativa ao pensar coletivo na Educação Física, pois neste estudo foi possível perceber a interação com os alunos e o corpo docente da instituição pesquisada.
A teoria crítico-emancipatória auxiliando a elaboração das aulas de yoga
A Teoria Crítico-emancipatória insere-se e opera em prol de um projeto histórico-social de emancipação humana e transformação social; o que requer que as práticas educativas em Educação Física Escolar ampliem as suas finalidades pedagógicas a escopos mais amplos a partir do seu elemento específico de intervenção que é o se-movimentar humano (KUNZ, 2003). Ainda para Kunz (2003, p.31):
O aluno enquanto sujeito do processo de ensino deve ser capacitado para sua participação na vida social, cultural e esportiva, o que significa não somente a aquisição de uma capacidade de ação funcional, mas a capacidade de conhecer, reconhecer e problematizar sentidos e significados nesta vida, através da reflexão crítica.
A Educação Física Escolar crítico-emancipatória – ao priorizar e possibilitar a problematização, a reflexão, a ação comunicativa associada ao movimento humano compreendido e realizada a partir de uma concepção dialógica – oportuniza aos educandos o desenvolvimento da capacidade de esclarecimento e da emancipação no sentido de que estes assumam maior liberdade e responsabilidade, além de tornarem-se sujeitos, de fato, de seus interesses e de suas ações no plano individual e coletivo, transcendendo a falsa consciência engendrada e difundida tacitamente no meio social (KUNZ, 2003).
As práticas educativas de cunho crítico-emancipatório, neste sentido, pressupõem o desenvolvimento proporcional de três categorias: trabalho, interação social e linguagem, as quais em um processo de ensino constituem as competências: objetiva, social e comunicativa, respectivamente; estas representando condições fundamentais à formação crítica e emancipada dos sujeitos (KUNZ, 2003). Para fins de compreensão e análise, tais competências são apresentadas separadamente, tendo em vista que na cotidianidade das práticas educativas estas se encontram mutuamente relacionadas.
Assim, os conteúdos da competência objetiva, referindo-se ao processo de ensino-aprendizagem da Educação Física Escolar, são tematizados pedagogicamente pautados em uma atuação bem-sucedida, competente e prazerosa em suas ações de movimento (KUNZ, 2003).
Tomando por base o ensino dos conteúdos propostos por Kunz (2001; 2003) o qual propõe que estes sejam ensinados por meio de uma seqüência de estratégias, denominadas de transcendência de limites, que considera várias etapas, tais como a encenação, problematização, ampliação e reconstrução coletiva do conhecimento, o autor propõe três etapas metodológicas pelas quais os sujeitos atribuem significados ao se-movimentar. Tais etapas são assim chamadas: “transcendência de limites”.
A Transcendência de Limites pela Experiência compreende a experimentação direta e não-problematizada do mundo em um processo pelo qual o sujeito atribui sentidos/significados ao seu se-movimentar a partir do seu mundo vivido, da situação colocada pela ação do movimento e pela proposição didática (KUNZ, 2001; 2003).
A Transcendência de Limites pela Aprendizagem referencia a aprendizagem dos elementos técnicos a partir da intencionalidade constituída pela idéia ou imagem do movimento. Nesta etapa, prescinde-se de um processo de ensino de destrezas impostas e padronizadas, possibilitando a problematização, a reflexão, a busca e a construção de possibilidades relacionadas ao se-movimentar humano; isto significa, para Kunz (2004, p.176), que: “[...] nesta forma de transcender limites, o aprender não consiste jamais pela ‘imitação da forma’ [...], mas um movimento deve ser aprendido por uma estratégia que TAMBOER denominou de ‘imitação de uma intenção”:
Acredita-se que o processo de ensino-aprendizagem dos gestos motores a partir da ‘imitação da intenção’ possibilita aos sujeitos um se-movimentar carregado de intencionalidade, de consciência, de individualidade e de subjetividade, tendo em vista que se trata de um movimento advindo da fusão das vivências anteriores do sujeito (mundo vivido) e das experiências oriundas desta ‘imitação da intenção’ (MORSCHBACHER, 2009, p. 27).
Já, a Transcendência de Limites pela Forma Criativa-inventiva abrange o processo de recriação/criação de movimentos e jogos em consonância com uma dada situação. Aqui, a partir das duas etapas da transcendência de limites anteriores, ressalta-se o sentido/significado atribuído autonomamente pelos sujeitos em um processo de “constituição e exploração de novos sentidos/significados” (MOLLENHAUER, 1972 apud KUNZ, 2003).
Esta etapa refere-se à construção criativa individual e coletiva de outras formas de aprendizado, leva-se em consideração a subjetividade dos sujeitos, propondo que o grupo explore e vivencie o aprendizado de diferentes formas.
Concluí-se, coadunando com a Teoria Crítico-emancipatória, que para uma Educação Física Escolar que visa propiciar condições à formação de sujeitos críticos, autônomos e emancipados, com capacidade de refletir e contextualizar seus conhecimentos, o educador necessita desenvolver, além da competência objetiva, as competências social e comunicativa.
A competência social refere-se às experiências em interações sociais baseadas no agir solidário, cooperativo e participativo (MAYER, 1987 apud KUNZ, 2003). Esta competência compreende um processo de problematização, de ressignificação das relações e dos papéis sociais matizados por aspectos relativos à discriminação e à sobrepujança.
A competência comunicativa, embora considere a linguagem verbal e o se-movimentar humano enquanto formas de comunicação dos seres humanos, atribui relevância, especialmente, à primeira. Assim, o diálogo suscitado pelos sujeitos com a finalidade de alcançar entendimentos relacionados às situações de aprendizagem, a ação de expressar-se, interpretar as suas experiências e as dos outros, além da compreensão do que os demais comunicam, no entendimento de Kunz (2003), desencadeiam iniciativas do pensamento crítico.
Pesquisa participante
A Pesquisa Participante é um tipo de investigação social pela qual se busca a plena participação da comunidade na análise de sua própria realidade com o objetivo de promover a participação social para benefício dos participantes da investigação (BRANDÃO, 1999).
É também diagnosticada por ser crítica à metodologia da pesquisa tradicional do campo científico das Ciências Sociais, especialmente no que se refere à neutralidade, a recusa de aceitação do postulado de distanciamento entre sujeito e objeto de pesquisa, o que remete à necessidade não só da inserção do pesquisador no meio, como de uma participação efetiva da população pesquisada no processo de geração de conhecimento, concebido fundamentalmente como um processo de educação coletiva. Outro item é o princípio ético de que a ciência não pode ser apropriada por grupos dominantes conforme tem ocorrido historicamente, mas deve ser socializada, não só em termos do seu próprio processo de produção como de seus usos, o que implica na necessidade de uma ação por parte daqueles envolvidos na investigação, no intuito de minimizar as desigualdades sociais nas suas mais variadas matizes.
A Pesquisa Participante envolve um processo de investigação, de educação e de ação. Alguns elementos podem ser utilizados para definir a pesquisa participante: a) A realização concomitante da investigação e da ação; b) A participação conjunta de pesquisadores e pesquisados; c) A proposta político-pedagógica a favor dos oprimidos (opção ideológica); e, d) O objetivo de mudança ou transformação social.
A Pesquisa Participante se apóia em três princípios fundamentais conforme Brandão (1999): 1) A possibilidade lógica e política de sujeitos e grupos populares serem produtores diretos, ou pelo menos, participantes do próprio saber orgânico da classe, um saber que nem por ser popular deixa de ser científico e crítico. Um saber que oriente a ação coletiva e que, justamente por refletir a prática do povo, seja plenamente crítico e científico, do seu ponto de vista; 2) O poder de determinação de uso e do destino político do saber produzido pela pesquisa, tenha ela tido ou não a participação de sujeitos populares em todas as etapas; e, 3) O lugar e as formas de participação do conhecimento científico erudito e de seu agente profissional do saber, no 'trabalho com o povo' que gera a necessidade da sua participação.
A metodologia da Pesquisa Participante difere em vários sentidos da pesquisa convencional, como elenca Haguette (2003), tendo em vista que o objeto de pesquisa deve ser definido pela população interessada, considerada "pesquisadora", mediante a assessoria de um ou vários investigadores profissionais de fora da área, comprometidos com a causa popular; Os pesquisadores profissionais devem tomar conhecimento da realidade na qual vão trabalhar através de estudos prévios, dados secundários e entrevistas com as lideranças locais; A equipe de pesquisa é composta dos pesquisadores profissionais e da população interessada ou seus representantes; O planejamento da pesquisa é elaborado pela equipe mista; Os objetivos da investigação são definidos pela população interessada a partir dos temas que são prioritários para ela.
O mesmo autor afirma que não existe uma fase de "trabalho de campo" como na pesquisa tradicional, mas uma geração de conhecimento dentro da ação da pesquisa onde pesquisadores profissionais e população interessada se beneficiam mutuamente da experiência uns dos outros; Em alguns casos são usadas as técnicas de coleta de dados da pesquisa convencional, como o questionário, a entrevista e a observação; A análise dos dados é feita através de técnicas "dialogais" com a participação de todos; Quando apenas alguns representantes da comunidade se incorporam à pesquisa, a equipe procede à "devolução" dos resultados através de reuniões amplas, pois se espera um efeito de feedback para validação dos dados; Propostas de ação são definidas em função das necessidades da população; A realidade pesquisada deve ser aquela identificada como de grupos oprimidos.
Em síntese, a pesquisa participante não provém de uma única teoria, não é um método único e, muito menos, não deve tender a substituir o que equivocamente tem sido chamada de pesquisa tradicional, seja a construir-se como uma escola própria (BRANDÃO, 1999).
Conforme acima expõe o autor, perpassou-se nesta pesquisa por algumas metodologias que dão o suporte para a efetivação do estudo.
Instrumentos de coleta das informações
O principal instrumento de coleta das informações se constituiu na pessoa do próprio investigador e do investigado, somado à sua capacidade de descrever, compreender, interpretar e explicar as informações do trabalho de campo, através das técnicas de coleta utilizadas, como a observação participante, o diário de campo e a análise de documentos. Inclui significativamente, a capacidade de escuta do investigador, que se traduz em procedimento metodológico (MOLINA; MOLINA NETO, 2002), no sentido de estar atento e aberto à comunicação entre os sujeitos e o contexto de pesquisa.
A opção por esses instrumentos de coleta de informações ocorreu em função de sua coerência ao delineamento da pesquisa e ao atendimento das características do problema de investigação.
O processo de investigação: a observação participante
A observação participante consiste na participação real do conhecimento na vida da comunidade (GIL, 1985). Será a obtenção das informações na perspectiva dos sujeitos investigados, das definições de realidade dos indivíduos e a organização do seu mundo particular. Essa inserção no mundo cotidiano dos sujeitos pesquisados é o que permite compreender o que fazem, os comportamentos, as expressões, os sentimentos, as crenças, as interações pessoais, as relações de poder e as concepções sobre o fenômeno estudado, pressupondo um grande envolvimento do pesquisador no cotidiano do investigado.
Essa relação do investigador e os sujeitos da pesquisa, Molina Neto (1999) afirma ser a observação participante uma técnica que demanda grande complexidade em seu entendimento, desenvolvimento e uso, pois se baseia no pressuposto reflexivo entre as subjetividades do investigador e dos informantes.
O trabalho de campo nesta escola teve início a partir dos primeiros contatos estabelecidos (09/09/2009), assim considero desde o primeiro dia em que fui até a escola realizar o diagnóstico tanto da Escola quanto da turma com a qual iria estagiar cumprindo a disciplina curricular de Estágio Curricular Supervisionado em Educação Física III – Séries/Anos Iniciais do Ensino Fundamental no 2º (segundo) semestre letivo de 2009 no Centro de Educação Física e Desportos (CEFD) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Também me apropriar do Projeto Político Pedagógico (PPP) da Escola o qual elenca Educação Física no Ensino Fundamental – Séries Iniciais de 1ª a 4ª séries. As aulas de Educação Física foram realizadas no mesmo turno de aula à tarde, sempre nos dias da semana terça-feira e quinta-feira, e mesmos horários 16 horas e 25 minutos às 17 horas e 25 minutos com uma turma de 23 (vinte e três alunos), da respectiva 3ª (terceira) série, Turma 33 (trinta e três) com uma Professora Titular que não ministra aulas de Educação Física.
As observações foram realizadas de maneira mais aberta, focalizando no fenômeno do estudo que ocorreu de modo progressivo, conforme o andamento da investigação e a reflexão sobre as informações recolhidas. Nas observações abertas, considerei importante, para a compreensão do fenômeno de estudo, participar de todas as situações cotidianas dos desses alunos na escola, não me limitando às aulas, mas participando de reuniões, intervalos, recreios, conselhos de classe e demais atividades como festa do dia das bruxas, aniversários de alunos, festa de final de ano. Organizei-me para realizar as observações procurando chegar à escola no início do turno da tarde, sendo o turno de aula desses alunos, para que pudesse observar, desde o horário de entrada, os acontecimentos e as situações cotidianas dos alunos e da escola.
Esse processo de interação, ao usar a observação participante que se estabelece entre o investigador e o objeto de estudo, tem o investigador como principal instrumento de coleta das informações na pesquisa. Cabe ao pesquisador, além da condição do uso dos sentidos com vistas a perceber a realidade e as interações pessoais, ser o mediador entre as informações da coleta e o emprego dos instrumentos ao longo de todo o processo de investigação. O observador pode recorrer aos conhecimentos e experiências próprias como instrumento de compreensão e interpretação do fenômeno estudado.
Necessário colocar que essa turma se não fosse a minha intervenção como estagiária não teria aulas de Educação Física, pois a professora titular não ministra a disciplina, e sim, estagiárias da própria instituição escolar na modalidade Magistério, apesar de estar contemplando a disciplina de Educação Física no PPP da escola não é ofertado por um Professor Titular contratado pelo Estado do Rio Grande do Sul.
O período de observação se constituiu como um processo de aprendizagem. Ao mesmo tempo em que observava os alunos participantes do estudo, procurei compreender o fazer pedagógico da professora titular da turma, confrontando-a freqüentemente com minha própria prática educativa nas situações em que presenciava. Esse exercício reflexivo permitiu-me fazer uma releitura da minha própria prática educativa à medida que aprofundava a convivência com a turma, seus hábitos, suas convicções, suas dificuldades e suas expectativas.
A aceitação da convivência por parte dos alunos participantes ocorreu durante todo o trabalho de campo, fator de extrema importância para o processo de investigação. Do mesmo modo, a acolhida dos pais, da direção, coletivo docente e funcionários. O acesso aos mais diversos momentos e utilização de materiais e espaços sempre foi facilitado, não havendo constrangimentos ou qualquer manifestação de reprovação.
A observação participante como técnica de coleta das informações para este estudo, além de ser um procedimento que exigiu atenção, percepção e memória para observar as mais diversas situações da realidade da escola, proporcionou participação como observador de acontecimentos com a intencionalidade do olhar para que não ficasse observando qualquer coisa e sim, a problematização referente à pesquisa.
Planejamento das aulas
As observações foram importantes para a construção do Cronograma e Planos de Aula, para a reflexão, e para a elaboração de questionamentos específicos sobre acontecimentos registrados no diário de campo confrontando-o freqüentemente com minha própria prática educativa nas situações em que vivenciava.
Foram 26 (vinte e seis) aulas planejadas e ministradas com o início no dia 01/10/2009 e finalização no dia 17/12/2009.
Utilizamos para o planejamento dos encontros as Aulas Abertas segundo Hildebrand (1993), e pela Abordagem Crítico-emancipatória de Kunz (2001). O Cronograma foi dividido em Primeira Unidade e Segunda Unidade, o primeiro foi planejado para as 10 (dez) primeiras aulas contemplando os conteúdos do PPP da escola que são: conhecimento sobre o corpo, através de atividades lúdicas, como jogos, brincadeiras, rodas cantadas, danças que envolvem a coordenação motora, equilíbrio, lateralidade, percepções, sensações e emoções, ritmos e criatividade, cooperação e respeito.
A avaliação das unidades consta de um instrumento que é a observação das atitudes, conhecimentos e habilidades adquiridas pelo aluno durante a unidade, quando, então, realizou-se um parecer descritivo individual contendo, se o aluno atingiu ou não os seus objetivos propostos referentes à disciplina.
Adotou-se um diário de campo onde, após cada aula, foram feitas anotações quanto ao desempenho dos alunos, dificuldades, progressões, participação, interesse e atitudes. As anotações do diário de campo foram um dos suportes para a elaboração do parecer descritivo.
Importante destacar que a cada elaboração do Plano de Aula uma aula antes de ser ministrada era mostrada para a professora titular da turma para que fosse possível dialogar sobre as atividades que seriam propostas na aula vindoura.
Na segunda unidade foram as 16 (dezesseis) aulas e o assunto central foi Yoga.
Após elucidar as unidades, partimos para os Planos de Aula, onde iniciamos com a primeira aula no dia 01/10/2009 com duração de uma hora, tendo como objetivo da aula o trabalho Esquema Corporal – noções de corpo como um todo. E fomos desmembrando em itens como: Materiais; Parte inicial; Primeira atividade; Segunda atividade; Quarta atividade; Quinta atividade; Relato da aula; Pontos Positivos; Pontos Negativos; Alternativas; Reflexão.
Na 9ª (nona) aula dia 29/10/2009 é que introduzi o yoga para a turma.
Aula inaugural de yoga
Foi necessário romper paradigmas e práticas individualizadas centradas no professor e identificadas como limitação à construção de uma outra proposta a qual utilizamos com as aulas de yoga para pensar a aprendizagem amparada na inclusão de todos os alunos.
Depois de refletir muito a respeito da primeira e segunda unidade as quais estavam sendo postas em prática, no caso a primeira, dialoguei e argumentei com o Professor Orientador da disciplina em questão, pois estava vislumbrando uma proposta de “aulas de yoga” para a turma 33(trinta e três), pelo fato do yoga contemplar tudo o que está descrito nas unidades.
Pedi um voto de confiança, que para mim soa como uma construção diferenciada, um desafio, quebra de paradigmas, um estímulo a ser alcançado. E obtive!
Plano de Aula 9: Objetivo da Aula: trabalhar principalmente o equilíbrio, respiração, concentração; Materiais: colchonete, som, cd; Parte Inicial: Explicar o que é o Yoga, a meditação, a respiração, a concentração, e elucidar as posturas que faremos nesta primeira aula. Primeira atividade: o espaço que temos é a sala de aula, colocaremos os colchonetes no chão e iniciamos a prática do yoga deitados em posição ereta. Segunda atividade: iniciamos a respiração abdominal e alongamentos. Terceira atividade: asanas (posturas) do yoga: o gato, a cobra, o peixe, o macaco e finalizamos com a árvore. Quarta atividade: alongamento e relaxamento com diálogo e reflexão da primeira aula de yoga realizada.
Relato da Aula: Iniciei a aula com o diálogo, explicando para os alunos como seria a nossa aula. Segundo a Organização Mundial de Saúde, yoga aumenta o rendimento escolar e a produtividade mental. Mas os benefícios vão além do lado comportamental das crianças, o corpo e a mente também são favorecidos, pois ela induz a um profundo relaxamento, tranqüilidade mental, concentração, clareza de pensamento e percepção interior juntamente com o fortalecimento do corpo físico e o desenvolvimento da flexibilidade.
Alguns destes benefícios para as crianças: a) Consciência de si mesma e de seu potencial produtivo; b) Desenvolvimento através dos asanas, força física, flexibilidade, agilidade e consciência corporal; c) Desenvolvimento da memória, concentração, capacidade de abstração matemática, lógica e espacial; d) Desenvolvimento da coordenação motora fina (habilidade para desenho e caligrafia); e) Tranqüilidade física, mental, ensina a criança o hábito de relaxar melhorando a qualidade do sono; f) Desenvolve a auto-estima e auto-imagem positiva, o hábito do pensamento positivo, equilíbrio e inteligência emocional ajudando a controlar a ansiedade; g) Desenvolve a saúde de forma geral, através da prática de algumas técnicas que geram um estímulo ao correto funcionamento do sistema imunológico e do sistema glandular; h) Melhoria e manutenção de uma visão saudável através dos trátákas (exercícios de visão e foco); i) Estimula os processos digestivos, combatendo prisão de ventre, úlceras, azias e má digestão; k) Criação e melhora do hábito da postura correta; l) Melhora no humor: ajuda crianças "hiperativas" a desenvolverem controle e percepção de sua condição acelerada; e, m) Desperta para hábitos alimentares mais saudáveis.
A prática ajuda indiretamente no despertar da consciência não competitiva, pois não existe recompensa, nem vencedores nem perdedores. Através da prática dos asanas, pranayamas e meditação tudo o que se obtém, ajuda a criança no desenvolver de uma consciência livre de ilusão para a percepção do mundo, proporcionando um crescimento saudável e feliz.
Foi alcançado o objetivo da primeira atividade tendo em vista a aprovação de todos os alunos em vivenciarem uma “aula de yoga”. Neste dia estavam presentes 20 (vinte) alunos dos 23 (vinte e três), e na sala de aula arredamos as classes e cadeiras para que pudéssemos colocar os colchonetes emprestados da UFSM para a prática do yoga. Iniciamos com a respiração diafragmática ouvindo mantra e relaxando. Pedi para que colocassem uma das mãos sobre o umbigo (plexo solar) e a outra em cima do abdômen e respirassem pelo nariz. Foi executado com muita calma e a resposta foi positiva. Partimos para o alongamento e insisti na respiração, mas percebi que eles estavam mais agitados. Para motivá-los, fui de imediato para a segunda atividade do planejamento, que são os asanas e iniciamos com o gato que são quatro apoios, no momento que inspira sobe a coluna, tentando arredondar como um gato, e no momento que respira solta o corpo. Gostaram muito e se identificaram nesta postura. Ainda na mesma postura realizamos exercícios de alongamento de membro inferior, rotação de tornozelos.
A outra postura foi à cobra, os alunos adoraram, principalmente no momento do ataque onde eles puderem se expressar através do “guizo”, a técnica é: decúbito ventral, com as mãos ao lado do tórax com o queixo ou a testa apoiada; elevar lentamente o tronco até o umbigo; efetuar o guizo da cobra. A próxima postura foi a do peixe com a qual trabalhamos a lateralidade. Todas essas posturas foram trabalhadas no plano inferior – quatro apoios ou deitados no colchonete. Lentamente nos colocamos em dois apoios, com os pés em cima do colchonete para realizarmos a postura do macaco que caracterizasse pela soltura dos braços, o caminhar conforme um gorila e assim por toda a sala de aula.
A última postura desta aula foi a árvore onde foi solicitada muita concentração, equilíbrio, respiração. Iniciei com eles olhando para um ponto fixo, após ficamos na meia-ponta dos pés, só depois disso, partimos para a postura (em pé, pés unidos; o pé direito com a planta apoiada na parte interna da coxa esquerda; mãos no peito). Todos tiveram muita dificuldade para realizar a postura. Finalizamos com a borboleta para após em posição de meditação (joelho cruzado) iniciar a meditação. Guardamos os colchonetes e o tempo já estava esgotado.
Aspectos positivos: Essa foi a melhor aula desde que eu iniciei a ministrar aulas para eles. Todos sentimos prazer na aula. Chamou a atenção “o novo”, e todos experenciaram. Ao término da aula, para a minha surpresa, todos pediram para que iniciássemos todas as aulas com yoga, e se fosse o caso partiríamos para outras atividades, se não, eles gostariam de terem só aulas de yoga. Foi muito gratificante ouvir de todos o pedido, e também visualizar a satisfação do “novo”, da “ruptura”. Aspecto negativo: O aluno 20 mesmo realizando a aula na minha frente, incomodou as colegas 21 e 22, tive que chamar a atenção dele, pois não estava deixando as colegas se concentrarem nem ele próprio.
Continuação das aulas de yoga
O Plano de Aula 10 (dez) do dia 03/11/2009 finalizou a Primeira Unidade, então planejei com os alunos uma forma que eles pudessem expressar por um desenho as nossas aulas de Educação Física que foram oportunizadas, e que também neste desenho fosse elaborado uma frase explicando as nossas aulas. O planejamento seguiu com a finalização do desenho de todos. Iniciamos a movimentação de arrumar a sala de aula e organizar os colchonetes no chão da sala. Devido ao tempo de utilização para expressar as aulas pelo desenho, realizamos a aula de yoga em poucos minutos, mas conseguimos meditar e realizar duas posturas, a do gato e a do macaco. Finalizamos com a borboleta e a organização da sala de aula.
Relato da aula: Estou iniciando o trabalho com esses alunos com o Yoga Clássico, pois eu realizo aulas de Yoga Clássico com o Mestre que possui mais de 30 (trinta) anos de yoga e é filiado à 1º Associação Brasileira de Profissionais de Yoga. O Yoga Clássico enfatiza respiração, meditação, mantras, e pretendo desenvolver essas aulas com os alunos, tendo em vista a aceitação unânime, na verdade, é uma exigência por parte deles. Como o dia estava chuvoso 5 (cinco) alunos faltaram a aula e uma aluna não entregou o desenho e a frase. A partir dos desenhos e das frases que estão documentados no Diário de Campo pôde-se fazer uma análise quantitativa da aprovação ou rejeição da “aula de yoga”, sempre enfatizando que os alunos só haviam realizado uma aula de yoga. Foram 19 (dezenove) desenhos e frases sendo 4 (quatro) não expressaram nem por frase e nem pelo desenho a aula de yoga, e 15 (quinze) expressaram a satisfação da aula de yoga pelo desenho ou pela frase. Destaco algumas frases: “Fazendo yoga e futebol na Educação Física” (Aluno 1); “Eu gosto da Educação Física por causa do yoga” (Aluno 2); “Eu gosto da Educação Física por que tem yoga e a gente descansa” (Aluno 3); “Eu gosto de yoga porque me causa paz” (Aluno 4); “Adoro Educação Física, e gosto de jogar vôlei” (Aluno 5); “Aula de yoga é o máximo” (Aluno 6); “Yoga me traz paz” (Aluno 7); e, “Eu gosto de fazer Educação Física por que a gente se diverte e ao mesmo tempo a gente ganha saúde” (Aluno 8).
Nessa mesma aula do dia 03/11/2009 a Professora titular da turma escreveu no meu Diário de Campo o que está observando das aulas de Educação Física, assim descrevo: “Ana Paula. É possível observar em teu trabalho uma preocupação com a qualidade do planejamento. Tens nos brindado a cada aula, com propostas de trabalho criativas, diversificadas e principalmente significativas. Todas as terças e quintas-feiras as crianças te esperam ansiosas e isto é a prova de que tuas aulas vêm ao encontro de suas expectativas. Espero que continues empenhada, em apresentar bons resultados, pois é de educadores assim que a “escola brasileira” precisa: Os que colocam a serviço das crianças, as mãos, o cérebro e o coração”.
E assim nossas aulas foram seguindo, e como bem coloca Giovanni (2005, p.48):
Ser professor, assim como ser aluno, implica uma relação de cumplicidade no que se refere ao compromisso com o ato de buscar conhecimento a respeito do conteúdo a ser ensinado, a respeito dos seres humanos envolvidos nessa relação, seu espaço e momento históricos e a respeito de como realizar e aperfeiçoar, teórica e tecnicamente, tanto o trabalho de ensinar, quanto o trabalho de aprender.
As mudanças foram acontecendo e aparecendo, claro que em alguns alunos se acentuava mais e outros menos, mas mudanças estavam acontecendo e as aulas prosseguiram.
Aula no centro de yoga
Essa aula aconteceu no dia 10/12/2009 sendo o 23º (vigésimo terceiro) Plano de Aula e a 15ª (décima quinta) aula de yoga. Foi uma aula inusitada, pois nos deslocamos da escola até o Centro de Yoga para a execução da aula conjuntamente com o meu Mestre que ministra aulas de Yoga Clássico, que nos induz a um profundo relaxamento, tranqüilidade mental, concentração, clareza de pensamento e autoconhecimento, juntamente com o fortalecimento do corpo físico e o desenvolvimento da flexibilidade.
Passo a relatar a aula conforme consta no Diário de Campo: Relato da Aula: Sem palavras! Maravilhosa! Gratificante! Hoje foi uma aula atípica, inédita e espero que todos levem e guardem para sempre esse momento, pois foi marcante! Foi um tumulto para levá-los até o Centro de Yoga que fica próximo à escola, mas tivemos que atravessar duas ruas, e na ida foi mais tumultuada, mas a volta à escola foi ótima, eles estavam relaxados.
Nunca vi a turma tão bem comportada, silenciosa, concentrada, relaxada, encantada com tanta harmonia. Todos ficaram maravilhados com o ambiente, pois é um Centro de Yoga nos padrões indianos pelo fato do Mestre ter feito alguns cursos na Índia. O Mestre foi maravilhoso como sempre e a “nossa” aula foi uma completa harmonia e entrosamento. Ele não é especialista em ministrar aulas para crianças, mas ficou encantado com todos e elogiou o nosso trabalho, as aulas que estamos realizando, porque quando iniciou os asanas e falou que iríamos iniciar com a postura do gato e após a do cachorro, os alunos disseram que sabiam como fazer a postura, com isso, ele questionou outras, como: o macaco, peixe, árvore... E também disseram que sabiam! Foi muito gratificante! Na execução da aula, fotografamos para esse momento ficar registrado para sempre na memória e documentalmente, no caso das fotos. Todos os alunos fizeram questão de participar/vivenciar essa aula, até mesmo a aluna 25 que estava com dor de cabeça, quis participar. Estavam presentes 22 (vinte e dois) alunos, sendo que a aluna 26 não compareceu na escola nesse dia. Após o término da aula no Centro de Yoga, os alunos eram só elogios, e pediram para o Mestre dar aulas para eles também, mas com uma condição, eu teria que estar presente e todas as aulas teriam que ser realizadas no Centro de Yoga, e mais, disseram que se fosse preciso todos pagariam para ter aulas nesse ambiente. Naquele momento, percebi o quão importante foi essa aula, e também a clareza com que argumentaram sobre as aulas foi encantador, pelo fato da valoração e resultado de uma proposta inovadora que estão sendo contemplados. Ao retornarmos para a escola, a aluna 25 que estava com dor de cabeça relatou que a dor tinha passado com a aula de yoga, e que ela estava muito feliz por ter conhecido um lugar com muitas histórias e tão agradável.
Aspectos Positivos: Inúmeros... União da turma, socialização, respeito, silêncio, concentração, corporeidade, respiração, postura, eliminação de pensamentos negativos, eliminação de toxinas. Todos os alunos expressaram o contentamento pela aula, e tenho certeza que vi ficar registrada na memória de todos, pois ainda hoje eles pedem para que façamos outra aula no Centro. Foi um momento único! Um momento mágico!
Aspectos Negativos: Atravessar duas ruas com (22) vinte e dois alunos, mas percebo que não foi tão difícil. Foi até mesmo instrutivo, pois foi preciso coleguismo, ajuda entre eles.
Alternativas: Possibilitar mais aulas nesse ambiente próprio para a prática do yoga.
E assim, continuamos com as aulas na escola, sendo a última do ano letivo de 2009 no dia 17/12/2009.
Diálogos
Neste período que estive na escola foram construídos diálogos com diferentes pessoas. O diálogo, entendido como conversa entre duas ou mais pessoas, pode ser traduzido pela informalidade da situação do contato com pessoas que tem algum envolvimento com o que é investigado (SILVA, 2000).
Deste modo, ao longo do trabalho de campo, estabeleceram-se contatos e construções de diálogos com a supervisão pedagógica, com outros professores, pais, outros alunos da escola. Entende-se que estes diálogos, talvez em função da informalidade ou da espontaneidade dos momentos em que ocorreram, constituem-se em importantes instrumentos de coleta, na medida em que são registrados em diário de campo e permitem interpretar a própria “tradução” que fazemos de alguns aspectos daquela cultura, considerando-se que o que é dito, o lugar, a hora e o momento apropriado articulam-se de maneira indissociável (SILVA, 2000, p.60). Estes registros dos diálogos se constituíram como fragmentos importantes ao longo do processo de análise e no processo de construção do texto para a compreensão dos significados atribuídos sobre as aulas de yoga.
Assim transcrevem-se algumas conversas: “Acho as aulas de yoga bem legal, nós meditamos e temos pensamentos bons” (Aluno 10); “O aluno 10 não era interessado, era muito desatento, brigão e vejo a melhora dele a cada aula que tu oferece para a turma. O desempenho nas matérias melhorou e em casa ele também tem feito yoga. A nossa relação também melhorou, ele tem me respeitado mais” (Mãe do Aluno 10). Vários fatores concorrem para a melhora interpessoal como sentimentos e valores, convívio e espaço que ocupam na sociedade, mas, sobretudo percebeu-se que o ponto fundamental está intimamente condicionado ao “gostar do que se faz e com quem faz”, como demonstra esse relato.
“Com as aulas de yoga eu tenho mais concentração e me sinto mais calma depois de da aula de yoga, e vou para casa mais calma, porque eu não sou tão calma” (Aluna 11); “O aluno 11 chega em casa e vai para a minha cama fazer aula de yoga, ele ensina o irmão que é mais velho e se divertem. Esses dias ele colocou todos nós (pai, mãe e irmão) a fazerem uma aula de yoga que ele era professor. Percebemos que ele está mais calmo, mais paciente, mais envolvido com a família. Ele adora as aulas de yoga” (Mãe do Aluno 11). Na educação fundamental há sempre uma grande preocupação com o desenvolvimento da sua identidade, e esse desenvolvimento exige uma conduta explorativa e de sincronia com a família que é a base, por isso nos reportamos a De Marco (2006, p. 108):
Nesse contexto, torna-se importante submeter os conhecimentos e vivências na natureza à análises criteriosas e, nos limites do ensino formal, partir em busca de sentido que vislumbre a formação de praticantes mais conscientes de sua história na direção de sua emancipação, superando as perspectivas tradicionais que lhes atribuem funções de meros executores de atividades escolhidas e planejadas previamente.
“Professora, eu gostava de Educação Física, só que era dado pelas alunas do magistério, e quando a gente teve aula com a senhora foi muito melhor. Hoje eu valorizo muito as tuas aulas porque aprendemos e tu sabe dar uma aula ótima, inclusive aula de yoga que eu gosto muito” (Aluno 12); Por meio desse relato destaco o objetivo dessa pesquisa e elenco FREIRE (1996, p.24):
(...) quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade.
“Estou perplexa e muito feliz com a mudança que tu proporcionaste para o Aluno 13, pois é visível o envolvimento de vocês, desde a primeira aula, foi uma troca incrível. Com as tuas aulas, a tua atenção, hoje ele é um ótimo aluno. Antes era o último a ler o que estava no quadro e passar para o caderno, as notas principalmente em matemática não eram boas, estava sempre no mundo da lua. Ele foi o aluno que mais percebi a diferença a partir da tua intervenção, claro que tiveram outros como o 14, 15, mas percebo a diferença em toda a turma” (Professora da turma). Através desse relato, constatou-se um maior interesse dos alunos, inclusive em relação a outras áreas do ensino. Os alunos passaram a atuar de maneira mais concentrada, muito mais interessados acerca dos assuntos enfocados em sala de aula, e isso foi proporcionado pela prática do yoga. Também foi um trabalho colaborativo, como bem diz TERRA (2004, p. 158):
Desenvolver um trabalho colaborativo que se propõe desde uma dimensão coletiva, onde o diálogo irrestrito entre os participantes é uma das principais diretrizes para uma prática crítica comprometida com a melhora do ensino e da formação profissional, representa ter presente os conflitos e os elementos de orientação na construção do saber no coletivo.
“A turma toda está falando aos quatro ventos das maravilhosas aulas de yoga que eles têm, a professora regente é só elogios para o teu trabalho. Eu vou querer participar de uma aula um dia desses” (Diretora da escola); “A minha amiga me perguntou se eu tinha aula de inglês, espanhol na terceira série aqui na escola, eu disse que não, perguntou também se tínhamos laboratórios para as aulas de ciências, e disse que não, sabe professora ela estuda em uma escola particular aqui em Santa Maria, e eu disse que sabia uma disciplina que tínhamos e nenhuma outra escola aqui tem que é o yoga e ela ficou bem interessada e disse que iria perguntar para a professora dela o porquê nessa escola particular não se tem aulas de yoga” (Aluno 16).
Através das falas dos alunos, pais e professores denota-se a mudança de atitude desta turma neste processo de aprendizagem interdisciplinar com as aulas de yoga, e corroborando com esse pensamento Serrão (2006, p.126) escreve que a atividade principal do professor é ensinar e promover o desenvolvimento dos seus alunos com os quais interage. Isso pode ser estimulado pelo ensino organizado com ações direcionadas a aprendizagem de conceitos pelos alunos, “colocando-os em movimento, em uma posição ativa diante do conhecimento que se convencionou culturalmente relevante para a compreensão e transformação da realidade objetiva”.
Considerações finais
No decorrer deste trabalho, observou-se o desenvolvimento de uma proposta de aprendizagem interdisciplinar estimulada pelo yoga que abarcou dimensões física, mental e emocional com uma turma de alunos numa escola estadual. Com esses alunos pôde-se observar a mudança de atitude, no caso o pensar crítico e reflexivo sobre o que se faz e o porquê se age de determinada maneira tendo o como viés as aulas de yoga.
Observou-se com esta turma, também, que as aulas de yoga fortaleceram-se através da dimensão mental e física, onde as emoções, concentrações, reflexões estão em evidência, tendo em vista que o conhecimento se instaura como um aprender mediante movimentos internos e externos do nosso corpo. Para além de ser, é preciso experimentar, e este estudo focaliza a aprendizagem como uma experimentação de saberes conjuntamente com a emoção que influencia a razão.
As dimensões do processo de aprendizagem foram adequadamente levadas em conta neste Diário de Campo para o planejamento e execução das aulas de yoga, bem como a efetivação do processo de consciência corporal considerando o biótipo e as diferenças individuais dos alunos.
Percebeu-se que a negligência das dimensões física, mental e emocional como um todo representou para o aluno insegurança física e psicológica como era o caso de muitos alunos neste estudo. Mudanças aconteceram através da verbalização, diálogos, reflexão, conhecimento gerado de forma multidisciplinar nas aulas de yoga, como no caso o yoga tem sua raiz na Índia, onde fica a Índia? É um país da Ásia Meridional, banhado pelo Oceano Índico, é o segundo país mais populoso do mundo, a atração turística mais visitada é o Thaj Mahal, o Rio Ganges é um dos principais rios do subcontinente Indiano, e assim sucessivamente.
Destaca-se que no momento de execução dessa pesquisa estava em rede nacional a novela “Caminhos da Índia” e que por ser uma questão midiática percebeu-se como favorável para o interesse dos alunos e também como elucidação de fatos.
A partir dessa proposta metodológica implantada nessa escola, onde se buscou um espaço para a multidisciplinaridade com as aulas de yoga, conseguiu-se de forma plena e valiosa o destaque para o “novo”, tanto o é, que a Direção pediu a continuidade no próximo ano letivo das aulas de yoga, tendo em vista que já possuímos um espaço onde conquistamos na escola, e seria uma perda para a instituição, bem como para os alunos.
Com esse pedido da Direção da Escola, da professora da turma e dos alunos, estou na instituição até o dia de hoje ministrando aulas de yoga como voluntária, e a cada dia percebo o quão gratificante é estar próximo a escola e aos alunos interagindo com um objetivo de maturidade e de resignificação de muitos conceitos.
Constatou-se com este estudo que a aprendizagem através das aulas de yoga expressa uma interação de saberes, pois as mudanças são visíveis, e toda a experiência, especialmente em relação a nós mesmos é modificadora, pelo fato de toda a interação interferir na alteração das atitudes de agir, pensar, e assim, a aprendizagem ocorre a partir de uma história particular de interações.
Infelizmente não contamos com a disciplina de yoga no nosso currículo de Graduação em Educação Física Licenciatura – CEFD/UFSM, pois como colocado anteriormente, é mais um campo de atuação para os licenciados e que hoje temos que buscar em cursos de formação fora da instituição, acarretando assim, menos uma proposta de trabalho multidisciplinar nas nossas escolas. Por outro lado, os governantes devem também possibilitar melhores condições de trabalho nas diversas instituições de educação, para que essas possam estar mais motivadas na busca de padrões de excelência educacional.
Verifica-se que o perfil que se exige para a atuação em escolas não tem sofrido mutações, continuamos com a educação bancária e retrógrada. Pelo que foi exposto, entende-se que as mudanças devem ocorrer exigindo superação do paradigma das qualificações limitadas às exigências mínimas da escola e determinando a emergência de um modelo de educação concebido com ampla flexibilidade.
Em síntese, espera-se poder dar continuidade a esta pesquisa, investigando processos de desenvolvimento para o aprendizado multidisciplinar com o yoga na escola. Nesse sentido, deseja-se prosseguir na busca de um caminho mais reflexivo, humano e saudável para o aprender, tendo conseqüências no processo de aprendizagem como um todo.
A experiência vivenciada foi muito proveitosa com os alunos da 3ª série do ensino fundamental, demonstrando o quanto é importante um enfoque mais aberto da disciplina de Educação Física, pois esta se mostra muitas vezes presa à exigência de se ter sempre aulas com uso de materiais como a “bola” e jogos institucionalizados. Os alunos aprovaram a nova abordagem, aprimorando, a mente, o físico a partir de alongamentos e exercícios respiratórios. Enfim, sentiram-se satisfeitos, deixando passar um enorme contentamento e uma imensa gratidão pela introdução da prática do yoga na escola.
Por:
Ana Paula Facco Mazzocato- Acadêmica da Licenciatura em Educação Física (CEFD/UFSM)
Hugo Norberto Krug- **Doutor em Educação. Doutor em Ciência do Movimento Humano Professor Associado do Departamento de Metodologia do Ensino (UFSM)
(Brasil)
Fonte:http://www.efdeportes.com/efd149/yoga-na-escola-aprendizagem-interdisciplinar.htm
Na educação do ser humano todas as estruturas devem ser ativadas, e isso nos move a compreender o sujeito a partir de suas estruturas que são: corpo, organismo, estrutura lógica e estrutura simbólica. As duas primeiras estruturas dizem respeito à subjetividade e as últimas à objetividade na aprendizagem. Na educação do homem todas as estruturas devem ser ativadas, pois se apenas uma não for considerada ou omitida, a interação torna-se limitada e, portanto, fragmentada.
Segundo Pain (1985) o corpo é o órgão, o lugar onde ocorre a aprendizagem. Aprendemos porque possuímos um corpo. O corpo é o lugar de referência do eu, é o espaço da identificação do eu do sujeito. Portanto, sem corpo não há sujeito. O corpo é toda estrutura orgânica inteligente que serve de suporte para a aprendizagem, é um todo: membros inferiores e superiores, tórax, cabeça, etc.
O corpo é verdadeiramente o órgão da aprendizagem. Se há um automatismo, é porque o corpo chegou a uma coordenação boa o suficiente para que seja gravado. [...] Toda a aprendizagem deve passar pelo corpo porque toda a aprendizagem é um modo de coordenação entre o corpo e um sistema sensorial. [...] Porém, o corpo não é importante somente porque entra em jogo na relação sensório-motora, mas também, mas também porque é nele que se dá ao mesmo tempo uma ressonância emotiva do ato que se está realizando. Ao mesmo tempo em que se produz uma coordenação sensório-motora se produz uma ressonância da emoção que esse ato desperta e que é chamado de vida afetiva e emocional. Essa vida afetiva ou emocional acompanha todo o tipo de pensamento, de imagem porque é contemporânea à sua efetuação (PAIN, 1985, p.6).
O sujeito, ao incorporar os conhecimentos, também transforma todo o seu corpo para seguir naquela determinada direção. A aprendizagem por isso, também é uma metabolização em nível celular. Esse processo ocorre através de uma linguagem própria, pois o corpo é responsável pela captação das informações (assimilação) e pelo registro dessas informações (acomodação).
Conforme Souto (2009), o conteúdo histórico do yoga é o resultado do desenvolvimento de muitas épocas. Suas origens mais primitivas estão perdidas na obscuridade da história antiga. Existem provas decisivas de que o yoga não é apenas um produto do último período das Upanishad, mas remonta ao Rgveda. De acordo com os estudiosos contemporâneos, entre os quais o proeminente professor Mircea Eliade, traços de uma antiga forma de yoga podem ser percebidos já na civilização do Indu, que floresceu nos segundo e terceiro milênios anteriores à Era cristã. O mais significativo testemunho dessa civilização é, sem dúvida, o conjunto de livros denominado "Rgvda" (coleção com mais de 1000 hinos compostos há 2000 anos a.C. Através de estudos sabemos que Patanjali, que viveu 200 anos antes de cristo, é chamado de pai do yoga, por ter sido o primeiro a escrever o que antes era passado oralmente de mestre, guru, a discípulo, chela. Foi ele quem editou os aforismos do yoga, que constituem o manual do Raja yoga. A palavra yoga provém do sânscrito "YUG" e significa UNIÃO. Refere-se a união do corpo, da mente e das emoções, no sentido de obter um equilíbrio entre estes três aspectos.
O yoga é uma união do eu ou consciência individual com o espírito divino interior, a união entre corpo, mente e alma é o estado de hiper consciência que o ser humano atinge ao conseguir o objetivo final de uma aula.
Yoga é união do ser com o universo. Jamais será uma religião e sim uma filosofia de vida. A origem histórica do yoga se encontra tanto no SHRUTI ou naquilo que é ouvido, refere-se à transmissão oral, ou seja, aquilo que os mestres ouviam em seus estados profundos de consciência e então transmitiam para os seus discípulos. SMRITI - memória ou interpretação, mas como uma forma informal de doutrinas e métodos principalmente UPANISHADS (comentários sobre os vedas). Foi com a codificação de Patanjali que o yoga assumiu uma estrutura definida. Patanjali, mestre yogue que viveu na India, foi o primeiro sábio a deixar algum legado de yoga por escrito em seu livro Yoga Sutra, concebido por volta de três séculos antes de Cristo. Patanjali se manteve fiel à tradição, nada criou ele apenas reagrupou os conhecimentos já existentes dando ao yoga sua forma clássica, motivo pelo qual ao se referirem a essa escola, os estudiosos usam o termo Yoga Clássico.
Sete linhas ou ramos do clássico yoga: 1) Hatha-Yoga - significa força, usa o corpo como ponto de partida ativando os chacras e desobstruindo as nadis; 2) Karma-Yoga - é o yoga das ações desinteressadas, prega o desprendimento, o perdão e o amor; 3) Gnana-Yoga - sabedoria ou conhecimento; 4) Bhakti-Yoga - procura a união do ser ao seu ideal, através do amor intenso; 5) Mantra-Yoga - usa o domínio do som interno e externo, pode ser vocalizado, murmurado ou mentalizado.Se utiliza um japamala, um rosário de cento e oito contas; 6) Tantra-Yoga - emprega a prática das energias psíquicas e fisiológicas; e, 7) Raja-Yoga - estuda e desenvolve todas as potencialidades dos mecanismos da atividade mental, a palavra raja significa real.
O primeiro nível de yoga consiste nos princípios éticos e deve nortear a vida de todo praticante. Apenas treinar as posturas físicas sem respeitar esses princípios não é praticar yoga em sua verdadeira essência, é simplesmente fazer contorcionismo.
Em sua obra Yoga Sutra, Patanjali codificou o yoga em oito partes ou membros: 1º) Yama - como o yoga deve se relacionar com o mundo (Ahimsa - não violência, em atitudes, atos, palavras; Satya - verdade, não mentir; Asteya - integridade, não roubar nem bens matérias nem idéias; Brahmacharya - contensão de energia; Aparigraha - desapego, não acumular desnecessariamente); 2º) Niyama - é como o yoga deve se comportar consigo mesmo (Saocha - limpeza ou pureza, do corpo tanto externa quanto interna. A limpeza externa através de banhos e a limpeza interna através de posturas físicas "asanas"; Santosa - autocontentamento, o reconhecimento de tudo que se tem e a apreciação da abundância do universo; Tapah - autoesforço, disciplina, desejo ardente, é preciso aplicar toda a nossa força de vontade para conquistar os nossos objetivos; Svadhyaya - estudo de si mesmo que conduz ao autoconhecimento observar permanentemente seus atos, palavras, pensamentos, emoções e físico; Lishvara pranidhana - entrega, depois de observar todos os yamas e niyamas, o yoguim deve render-se a energia suprema e entregar-se completamente ao poder do universo); 3º) Asanas - significa literalmente: "postura confortavelmente mantida". A finalidade principal é sempre de natureza mental, vencendo a inquietude e a fragilidade da mente, facilitando a concentração. Agindo sobre a musculatura, interferindo no aparelho circulatório, no sistema nervoso, estimulando glândulas e ativando chacras; 4º) Pranayama - é o controle da bioenergia através da respiração, é a ponte entre o físico e o espiritual, os pranayamas acalmam, energizam, refrescam e promovem a limpeza dos canais energéticos estimulando o sistema endócrino; 5º) Pratyahara - introspecção, abstração do sentido, silenciar a mente, ficar imóvel, observar o lago como se fosse sua mente, as ondas que agitam as águas sem se deixar envolver pela tristeza ou alegria, pela ansiedade, pelas emoções. As águas se acalmam, é a união com o Divino; 6º) Daharana - concentração, controle da mente, é o requisito para a meditação, é necessário vivenciar o momento presente, o aqui e o agora; 7º) Dhyana - meditação "a parada gradativa das ondas mentais" a meditação é a interiorização da consciência. As disciplinas que "olham" para dentro podem ser encaradas como disciplinas de meditação; e, 8º) Samadhi - iluminação, quando a consciência se espande permeando todo o ser.
O processo de aprendizagem do conhecimento nunca está acabado, e pode enriquecer-se com qualquer experiência. A educação primária pode ser considerada bem sucedida se conseguir transmitir o impulso e as bases que façam com que continuem a aprender ao longo de toda a vida. Como bem diz Delors (2001, p.92) “Aprender para conhecer supõe, antes de tudo, aprender a aprender, exercitando a atenção, a memória e o pensamento”.
Com esse propósito utilizou-se como prática de aprendizagem interdisciplinar o yoga no Estágio Supervisionado III das Práticas Curriculares do Curso de Educação Física Licenciatura – UFSM, com Séries/Anos Iniciais do Ensino Fundamental, numa Escola Estadual no município de Santa Maria/RS, com vinte e três (23) alunos da terceira (3ª) série do ensino fundamental, aulas de Yoga como forma de consciência corporal, desenvolvimento de suas capacidades motoras, equilíbrio, lateralidade, sensações, emoções, maior concentração, reflexão, memorização, socialização, respeito, solidariedade. A partir do Projeto Político Pedagógico (PPP) da Escola que abrange a Educação Física para as séries iniciais, foi realizado fazer um planejamento e cronograma das aulas que seriam ofertadas para essa turma. Acredita-se que no momento que fosse incorporado o yoga nas Escolas este se tornaria interdisciplinar pela relação das práticas pedagógicas com as quais trabalha, principalmente com a memória, autocontrole, reflexão, socialização, paciência, ansiedade, respiração, relaxamento, postura, harmonia mental e física, beneficiando e impactando todas as disciplinas curriculares atuais.
O yoga reflexivo como forma de aprendizagem interdisciplinar
A interdisciplinaridade ampara uma visão de que o homem e o mundo são por princípios indivisíveis, contudo o homem não se percebe assim, e como ativar o que é por princípio indivisível, mas antropologicamente dividido. Portanto, o princípio interdisciplinar é a ação de conjunto que em seu efetivar se torna consciente.
O homem se percebe fragmentado, mas é por princípio interdisciplinar, da mesma forma que sustenta nas relações com o mundo, sendo a interdisciplinaridade uma estratégia de ação.
A interdisciplinaridade na educação objetiva-se pela formação integral do ser humano. Mas, como implementar na escola e no processo de ensino-aprendizagem práticas interdisciplinares?
Nesse estudo pretendeu-se efetivar o entendimento das relações interdisciplinares na Educação Física Escolar transversalmente ao ato pedagógico, e também estabelecer critérios de avaliação da dimensão interdisciplinar em práticas pedagógicas através do yoga como modo de introduzir relações das práticas pedagógicas reflexivas com a Educação Física Escolar.
A reflexão como forma de aprendizado por meio do yoga nos induz a importância de construir um aluno reflexivo em todos os níveis da sua escolarização, pois ao se instruir esses alunos para o ensino reflexivo, contestador, argumentativo desde os primeiros anos da escolarização ter-se-á alunos mais críticos, conscientes, e como bem diz Freire (1996) que a consciência reflexiva deve ser estimulada, pois é uma maneira de o educando vir a refletir sobre sua própria realidade. Quando se compreende a realidade, pode-se levantar hipótese sobre o desafio dessa realidade e procurar soluções.
Referindo-se à Educação Física Escolar reflexiva, Krug (1996) salienta que partindo do pressuposto de que a qualidade do ensino depende da possibilidade da reflexão sistemática sobre a sua prática, o Professor precisa redimensionar seu pensamento e sua ação. Nesta perspectiva, acredita-se que o Professor que atua com reflexão sobre a sua ação pedagógica também poderá oportunizar ao seu aluno a possibilidade de vir a refletir sobre as atividades da Educação Física Escolar.
A partir da reflexão constata-se que o aprendizado com esses alunos se daria de uma forma gradativa, respeitando o limite de cada um e incluindo todos os alunos nas aulas de yoga, pois somos partidários do pensamento de Furter (1985, p.32):
A reflexão é um pensamento ao segundo grau, no qual o homem repensa o que está dizendo. Assim, refletir é olhar a própria ação de maneira particular e à distância, para melhor julgar o que está fazendo, ou o que se faz, ou ainda o que se fará. A distância é necessária, para se dar uma significação própria às ações, isto é, medir as dimensões e as conseqüências dos próprios atos, orientar-se neles. A reflexão é um esforço de autocrítica, que permite desfaze-se das falsas justificativas e representações. É, ainda, criativa porque dá segurança na escolha das opções, e consequentemente, maiores possibilidades de realizações. Assim, a reflexão é ao mesmo tempo crítica, dialética e inovadora.
Com a reflexão fica claro que a aprendizagem não se destina apenas a um só trabalho, mas tem como objetivo mais amplo preparar uma participação formal e informal no desenvolvimento do educando – educador. Essa visão abrangente conduz a perspectivada atitude da ação interdisciplinar que não é isolada, pois se refere a um contexto de relações abrangentes, e estas, se estabelecem entre parceiros, na sala de aula em uma disciplina, de um setor na escola, a escola como um todo ou até a escola com a comunidade. O mais importante é a superação da visão fragmentada dando à ação um sentido de conjunto. Assim é o movimento auto-reflexivo porque dele sai à força para estabelecer relações de conjunto, sendo que quanto mais avançado for à disciplina ou o indivíduo maior será seu benefício numa relação interdisciplinar, ou seja, quanto maior for à capacidade disciplinar maior será a capacidade de interdisciplinar.
Para Fazenda (1994), as práticas interdisciplinares têm como fundamentos: a) Ser um processo dialético de superação de paradoxos (novo torna-se velho e o velho torna-se novo), ou seja, a busca pelo saber e a sua reconstrução devem ser contínuas; b) A interdisciplinaridade é um processo de resgate da memória através da revisão dos registros das práticas docentes para que estes se tornem materiais de pesquisa, trata-se da ressignificação das práticas vivenciadas; c) A parceria, pois é através dela que se estabelece o diálogo permanente com os parceiros; esse processo de construção conjunta e contínua é que garante a instauração de práticas interdisciplinares; d) A interdisciplinaridade ocorre em sala de aula à medida que se ressignifica o instituído nas relações de ensino-aprendizagem (professor-aluno); e, e) A interdisciplinaridade é feita pelas pessoas e não pelas disciplinas através dos itinerários comuns entre parceiros, do movimento pelo resgate à totalidade do conhecimento, da revitalização e revisão contínua dos percursos através do questionar, pensar, construir e reconstruir.
A interdisciplinaridade nas práticas escolares depende da atitude ou comportamento interdisciplinar caracterizado pela ousadia do novo, responsabilidade, cooperação, flexibilidade. As práticas interdisciplinares são condição de transformação da visão de mundo na formação do educando. Através dela ele pode exercer sempre mais a ação humanizadora sobre o mundo em que vive.
Implantação de práticas interdisciplinares através do yoga
A interdisciplinaridade é princípio de ação, modo de ação, e não ação acabada ou definida. Produz uma formação menos fragmentada no processo de assimilação dos diversos saberes os quis os alunos devem dominar durante sua formação.
A interdisciplinaridade é um termo de múltiplos significados e interpretações, mas que certamente traz uma nova visão para a construção do conhecimento em busca da sua totalidade. Pode-se compreender, com base em Japiassu (1976), que a interdisciplinaridade em sua forma mais simples é a interação entre duas ou mais disciplinas caracterizando-se através das trocas entre os especialistas e especialidades (disciplinas, ciência, etc.), sendo, assim, a interdisciplinaridade uma colaboração, troca recíproca e mútua entre as disciplinas.
Conforme afirma Palmade (1979 apud Frieda, 2006, p.18):
Deve-se pensar na interdisciplinaridade como um processo de integração recíproca entre várias disciplinas e campos de conhecimento “capaz de romper as estruturas de cada uma delas para alcançar uma visão unitária e comum do saber trabalhando em parceria”.
Segundo Lenoir (1998 apud Pereira, 2007, p.51),
As opções epistemológicas para a interdisciplinaridade escolar têm-se caracterizado pelo estabelecimento de conexões entre duas ou mais disciplinas (abordagem relacional), ou pelo estudo de conceitos ou temas de aspecto amplo, valorizando a substituição do conhecimento dividido em disciplinas por uma unidade do saber, por um tema (abordagem radical). A concepção mais comum, encontrada na literatura, e entre professores, é de que a interdisciplinaridade se constitui de uma integração de conteúdos.
Os estudos desses autores vêm ao encontro do que pensam Scaglia e Medina (2008), que por sua vez dizem que na interdisciplinaridade duas ou mais disciplinas relacionam seus conteúdos para aprofundar determinados conhecimentos projetando condições para a melhoria da qualidade do ensino mediante a superação contínua de sua já clássica fragmentação, uma vez que orienta a formação global do ser. Essa formação integral ocorre na medida em que os educadores estabelecem o diálogo entre suas disciplinas.
Com isso, Fazenda (2001 apud Pereira, 2007, p.25) ressalta que:
“qualquer trabalho do gênero deve ir muito além de misturar intuitivamente geografia, química, matemática e português. O que é ser interdisciplinar então? "É tentar formar alguém a partir de tudo que você já estudou em sua vida", define. O objetivo dessa metodologia, em sua opinião, também é bem mais profundo do que procurar interconexões entre as diversas disciplinas. Ela serve para "dar visibilidade e movimento ao talento escondido que existe em cada um de nós".
Para os autores Scaglia e Medina (2008), os educadores exercem um papel de extrema importância dentro da perspectiva interdisciplinar onde o mesmo deve dominar diferentes conhecimentos bem como seus objetos, estratégias, métodos e conceitos.
A respeito da prática docente Pereira (2007, p.86):
Na prática docente percebemos a necessidade de fortalecer o entendimento da função social do educador, a partir da crença de que o sujeito muitas vezes não se percebe parte do processo educativo o que fortalece suas ações reprodutivas e recortadas do todo. Neste sentido percebemos a necessidade de estratégias que garantam o emparedamento do docente, assumindo-se e percebendo-se como ser interdisciplinar, o que permitiria reflexões teoricamente fundamentadas na sua prática docente.
Estudos desses autores correspondem uma aflição, no sentido de mostrar que a interdisciplinaridade acaba sendo o caminho mais correto para se atingir à transdisciplinaridade, é experimentar a realidade global inscritas no dia-a-dia do educando, do educador e do povo, que no conservadorismo escolar, é compartimentada e fragmentada.
Atingir à transdisciplinaridade, segundo Scaglia e Medina (2008), a transdisciplinaridade equivale um dos “estágios mais avançado entre os modos de produção do conhecimento.
Este é o objetivo de sair-se da zona de comodismo fragmentado das disciplinas partindo assim para um ensino interdisciplinar, falar de transdisciplinaridade nesta pesquisa com o yoga, quer dizer falar sobre os conceitos que regem esse sistema. Ainda com os mesmos autores a transdisciplinaridade corrobora com a interdisciplinaridade, dessa forma busca também compreender o conhecimento além das disciplinas fragmentadas por seus objetos, linguagens e métodos; mas superando a interdisciplinaridade, porque ultrapassa a união de diferentes linguagens inerentes às disciplinas, buscando uma linguagem própria e ainda por exigir posturas e atitudes abertas aos fenômenos, sendo eles culturais, étnicos, científicos ou religiosos.
Implementou-se práticas de aprendizagem interdisciplinares após ter o conhecimento/análise/diagnóstico da turma que foi executado através de observação, entrevistas com a Diretora, com a Professor titular da turma e conversa com os alunos.
Vasconcellos (1995, p.61), considera:
O ponto de partida da elaboração do plano de ensino - aprendizagem é a Análise da Realidade. Trata-se do esforço no sentido de captar e entender a realidade, tal qual se encontra no presente, sua articulação histórica, em vista de sua transformação. Envolve análise pedagógica, além da política, econômica, social e cultural. Aponta limites e possibilidades; ajuda a equacionar os problemas.
Após esses dados, efetuou-se um Cronograma de Atividades que estivessem contempladas no PPP da Escola. Como os seus objetivos e conteúdos estão “abertos” e abrangentes, teve-se a facilidade de adequar a realidade da turma com os conteúdos e maneiras que trabalharíamos no segundo semestre do ano letivo de 2009.
A operacionalização deu-se através dos Planos de Aula confeccionados sempre uma semana antes da aula, para que fossem discutidos com os alunos, quais sejam: 1) Objetivo da Aula; 2) Tempo de duração da Aula; 3) Dia da Aula; 4) Materiais; 5)Aula (Parte Inicial – Diálogo: Relacionar as atividades que serão trabalhadas e estabelecer relações com outras disciplinas; Primeira Atividade; Segunda Atividade; Terceira Atividade; Quarta Atividade); 6) Relato da Aula (Pontos Positivos; Pontos Negativos; Alternativas de Ação); 7) Reflexão.
Com esse processo de Planejamento os alunos estabelecem relações com outras disciplinas, fortalecem a memorização, fazem ligações de conteúdos, sendo possível desenvolver os conteúdos interdisciplinares porque são relativos a todas as disciplinas da formação curricular, por isso surgem por seu conceito um conjunto de saberes que são relevantes e integram o processo de ensino aprendizagem em todo o sistema educacional.
Vasconcellos (1995, p.63), propõe que:
O Planejamento deve partir da realidade concreta tanto dos sujeitos, quanto do objeto de conhecimento e do contexto em que se dá a ação pedagógica. O primeiro passo do educador, enquanto articulador do processo de ensino - aprendizagem deverá ser no sentido de conhecer a realidade com a qual vai trabalhar (alunos, escola, comunidade), além é claro do imprescindível autoconhecimento, do conhecimento do objeto de estudo e da realidade mais ampla que todo educador deve ter. Uma referência importante, especialmente quando se inicia o planejamento mais sistemático, é a avaliação do trabalho do ano existente.
As aulas são organizadas a partir das interações que os sujeitos estabelecem, com os outros e consigo mesmo, pois com as interações o sujeito vai adquirindo a capacidade de relacionar os fenômenos com maior amplitude e complexidade. Com isso, o sujeito visa o autoconhecimento construindo a sua identidade e comunicando-se com os outros.
Cada aluno possui um Diário de Educação Física onde relata as aulas, expõe se as atividades foram condizentes com as planejadas pelo grupo, descreve os pontos negativos, positivos, sugerem alternativas e fazem sua reflexão. Expressam os fatos e os dados da determinada relação. Expressam também a capacidade de saber fazer atuando de maneira eficaz ou não. Assim o aluno recebe estímulos para realizar atividades e colocar em prática os conteúdos aprendidos através dos três componentes: cognitivo (conhecimentos e crenças), afetivo (sentimentos e preferências) e de conduta (ações manifestadas e declarações das intenções).
A Educação Física como aprendizagem interdisciplinar pelo viés do yoga
No que se refere à Educação Física no Brasil, sabe-se que a sua prática pedagógica esteve desde cedo penetrada e influenciada pela ciência, mais especificamente pela ciência moderna do século XIX com a ginástica francesa de Demeny. Contudo, os marcos referenciais dos vínculos mais estritos que se estabelecem entre a comunidade acadêmica são muito recentes, no decorrer dos anos 1970.
Como salienta o Coletivo de Autores (1992), no século XVIII e início do século XIX a Educação Física desenvolvida na escola representou um espaço de construção de um homem mais forte, mais ágil e mais empreendedor. O foco era dado aos exercícios físicos, que eram entendidos como receita e remédio, de modo que, os hábitos de higiene difundiram-se na época, inicialmente na Europa, influenciando e conquistando espaço nas aulas de Educação Física. O cuidado com o corpo corresponde a uma necessidade a ser cumprida pela sociedade.
Nas palavras de Bracht (1999, p.75), “A pedagogia da Educação Física incorporou, sem necessidade de mudar seus princípios, essa ‘nova’ técnica corporal, o esporte”.
De acordo com Pinto et al. (2007), a Educação Física apresenta diversas áreas de atuação, mas ser professor de Educação Física na escola implica que o acadêmico em formação aprenda os conhecimentos inerentes à área, bem como técnicas; metodologias; estratégias; formas de trabalho que lhe permita exercer a profissão de professor com êxito.
Através das aulas de Educação Física, com o viés no planejamento, objetivado pelas aulas de yoga, estruturou-se a construção/reconstrução na prática da interação com os alunos, as crítica positivas e negativas, alternativas, constituindo assim um total engajamento professor-aluno.
Verifica-se que Oliveira (1999, p.62) assim se expressa em relação à participação e envolvimento do aluno:
Temos hoje na escola a presença maciça de alunos de todas as classes sociais, com toda a pluralidade de modos de viver e pensar, assim os desafios da escola se ampliam. Sua função não se limita a transmitir conhecimentos. A intenção educativa deve estar orientada para provocar a organização das informações que chegam fragmentadas e acríticas; deve estimular a participação ativa e crítica dos alunos, nas diferentes tarefas que se desenvolvem na sala de aula.
Hofmann (2000, p.34) também concorda com a importância de se conhecer melhor o aluno. Afirma isso quando diz:
O significado primeiro e essencial a ação avaliadora mediadora é o “prestar muita atenção” nas crianças, nos jovens, eu diria ”pegar no pé” desse aluno mesmo, insistindo em conhecê-lo melhor, em entender suas falas, seus argumentos, teimando em conversar com ele em todos os momentos, ouvindo todas as suas perguntas, fazendo-lhe novas e desafiadoras questões “implicantes” até na busca de alternativas para uma ação educativa voltada para a autonomia moral e intelectual.
Práticas educativas e reflexivas com o yoga na escola
A escola é o local apropriado para a reflexão sobre diversas questões, inclusive à questão ambiental tão debatida. Entretanto, essa temática acabou limitando-se a algumas áreas do conhecimento, como as Ciências Naturais, Geografia, História. A prática pedagógica na escola ainda se mantém conservadora e resistente a mudanças, predominando a reprodução do conhecimento científico nas dimensões físicas, químicas, como exemplo, de forma fragmentada, sem diálogo e análises aprofundadas das relações socioeconômicas, políticas e culturais que envolvem as questões ecológicas. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) instrumentalizam a escola para estas reflexões: O yoga não se deve constituir numa disciplina engessada, e sim abrangendo todo o seu entorno, entende-se não apenas o entorno físico, mas também os aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos inter-relacionados.
Tricoli (1993) ao refletir sobre a questão da qualidade de ensino fundamental e médio, ou melhor, sobre a deterioração do mesmo, vincula esse problema à formação de professores, pois a universidade é instituição que inclui, entre os seus objetivos, o de formar professores. Matos (1994) parte da convicção de que o professor é fundamental para a melhoria do processo ensino-aprendizagem.
Com isso, o caminho para se buscar melhores condições de ensino-aprendizagem, e fazer com que o professor reflita sua práxis, é melhorar a formação, bem como a prática pedagógica em situação de atuação.
Garcia (1992) destaca a necessidade de se conceber a formação de professores como um “continuum”, pois para manter a qualidade do ensino é preciso criar uma cadeia coerente de aperfeiçoamento, cujo primeiro nível é a formação inicial seguindo-se a formação continuada.
Segundo Krug (1996) a formação profissional, que perpassa pela reflexão, a partir de situações práticas reais, contribui para que o professor se sinta capaz de enfrentar situações novas e diferentes, de tomas decisões apropriadas e fundamentadas em um paradigma eficaz que interligue teoria e prática. Acrescenta ser indiscutível que apenas o professor que explicar e justificar a sua prática pode assumir com autonomia a sua docência.
Caminhos metodológicos
Conhecimento da realidade da Educação Física Escolar como suporte metodológico
Podemos pensar que a Educação Física tradicional (BRACHT, 1992; CASTELLANI FILHO, 1994) tinha em sua formação centrada não só das decisões sobre o que fazer, mas, também, a condução de um processo didático-metodológico onde a aprendizagem estava amparada nas crenças e valores do professor, o que, poderia não representar necessariamente a cultura (corporal) viva e dinâmica dos estudantes e da comunidade e seu entorno, identificando-se assim, mais como reprodutora do que crítica (BRACHT, 1992), na medida em que não havia promoção de um diálogo entre os participantes da ação.
Para a superação do modelo de educação bancária, Moreira (2004) enfatiza que a co-responsabilidade pela prática das atividades é uma possibilidade de ação nas aulas de Educação Física. Pires e Neves (2001) convergem com a idéia de Moreira (2004) quando sublinham a defesa do princípio de uma co-gestão em Educação Física como uma necessidade de abrir para os estudantes o processo de ensino-aprendizagem, percebendo-se, assim, “com vez e voz” (p.89).
Necessário se faz a promoção de uma prática compartilhada entre o Professor de Educação Física e seus alunos. Borges (1998) preceitua que os Professores de Educação Física descobrem uma relação existente entre sua formação inicial e a realidade de seu trabalho na sala de aula e na escola, porque estão diante das expectativas e necessidades de grupos de estudantes distintos, e são afrontados pelos conteúdos e normas que precisam seguir.
Suporte metodológico para a elaboração das aulas de yoga
Utilizou-se para essa realidade escolar como suporte metodológico para as aulas de yoga que é constituída pela tendência das Aulas Abertas segundo Hildebrand (1993), e pela Abordagem Crítico-emancipatória de Kunz (2001) as quais elucida-se.
A concepção de aulas abertas está em contraposição ao modelo de aulas fechadas, onde as decisões ficavam centradas no professor e seus interesses. Assim, Hildebrandt-Stramann (2001) enfatiza que a concepção de aulas fechadas é baseada nas concepções do professor e centrada no produto, nas “metas definidas e na intenção racionalista” (p.141) do planejamento, dos conteúdos e da avaliação do processo de ensino-aprendizagem, enquanto que a concepção de aulas abertas é orientada no processo, na problematização e na comunicação entre os sujeitos e o entorno. Parte, basicamente, da premissa de que a experiência dos estudantes é significativa para a construção de uma aula de Educação Física, exigindo uma participação maior de todos e não centrada nos interesses e nas decisões do professor.
Sob o ponto de vista crítico de educação voltada para o desenvolvimento da capacidade de ação, a aula de Educação Física deve configurar-se como um sistema de ação aberto. Nesse tipo de aula é importante que os professores e os alunos se entendam sobre o sentido das ações e, ao mesmo tempo, sobre os objetivos, conteúdos e métodos de aula e do esporte. (HILDEBRANDT-STRAMANN, 2001, p.142).
No contexto atual da educação física escolar, conforme Cardoso (2000), as aulas tratam do esporte competitivo de alto nível, considerando as crianças como objetos e não sujeitos da ação e ainda observa que a continuidade deste processo se dá pela falta de reflexão sobre suas conseqüências didático-pedagógicas e sociais. Essas premissas, portanto, ao falar-se de Educação Física e, neste contexto, se valeu das concepções criticas da Educação Física Escolar, se concentram justamente na possibilidade de legitimar a educação física e seus modelos renovadores, também nos espaços não-formais, inserindo-se aí, o trabalho com idosos em uma perspectiva de ensino.
As conseqüências se ilustram na redução da complexidade do sistema esportivo de acordo com duas regras: a de sobrepujar e a de comparar rendimentos objetivamente (HILDEBRANDT, 2003), assim os alunos sofrem um adestramento passando a reproduzir movimentos “corretos”, sendo obrigado, dessa maneira, a reprimir suas possibilidades criativas, culturais, expressivas e humanas de movimento.
Como forma de superação deste cenário “a concepção de aulas abertas em educação física considera a possibilidade de co-decisão nos níveis de planejamento objetivos, conteúdos e formas de transição e comunicação no ensino” (CARDOSO, 2000, p 123).
Nessa concepção a problematização, por parte dos professores, é freqüente a fim de que o aluno possa relacionar ao desafio proposto suas vivências anteriores e significativas, considerando as inúmeras formas em que este pode referir-se as especificidades da educação física, para que solucione (temporariamente, talvez) o problema.
Neste sentido, pensamos para as nossas aulas de Educação Física com o conteúdo yoga possibilitar a construção de diferentes maneiras de abordagens, dentre elas a de concepção aberta, pois com essa abordagem acontecem diferentes conseqüências sociais para os atores. Assim, a socialização e a interação assumem um caráter significativo na formação dos estudantes na medida em que há compreensão de que somos seres sociais e da dimensão do próprio processo de individualização, de desenvolvimento de cada indivíduo como ser único. Com isso, enfatizamos a idéia central de Hildebrandt-Stramann (2001) de que a prática educativa deve ser realizada considerando a experiência dos educandos e não somente a do professor, aproximando-se, assim, da compreensão do Coletivo de Autores (1992) sobre o entendimento de uma metodologia de ensino como forma de apreensão do conhecimento específico da Educação Física – a cultura corporal como linguagem social e historicamente construída.
Acredito que o movimento envolvendo a concepção de aulas abertas trouxe uma contribuição significativa ao pensar coletivo na Educação Física, pois neste estudo foi possível perceber a interação com os alunos e o corpo docente da instituição pesquisada.
A teoria crítico-emancipatória auxiliando a elaboração das aulas de yoga
A Teoria Crítico-emancipatória insere-se e opera em prol de um projeto histórico-social de emancipação humana e transformação social; o que requer que as práticas educativas em Educação Física Escolar ampliem as suas finalidades pedagógicas a escopos mais amplos a partir do seu elemento específico de intervenção que é o se-movimentar humano (KUNZ, 2003). Ainda para Kunz (2003, p.31):
O aluno enquanto sujeito do processo de ensino deve ser capacitado para sua participação na vida social, cultural e esportiva, o que significa não somente a aquisição de uma capacidade de ação funcional, mas a capacidade de conhecer, reconhecer e problematizar sentidos e significados nesta vida, através da reflexão crítica.
A Educação Física Escolar crítico-emancipatória – ao priorizar e possibilitar a problematização, a reflexão, a ação comunicativa associada ao movimento humano compreendido e realizada a partir de uma concepção dialógica – oportuniza aos educandos o desenvolvimento da capacidade de esclarecimento e da emancipação no sentido de que estes assumam maior liberdade e responsabilidade, além de tornarem-se sujeitos, de fato, de seus interesses e de suas ações no plano individual e coletivo, transcendendo a falsa consciência engendrada e difundida tacitamente no meio social (KUNZ, 2003).
As práticas educativas de cunho crítico-emancipatório, neste sentido, pressupõem o desenvolvimento proporcional de três categorias: trabalho, interação social e linguagem, as quais em um processo de ensino constituem as competências: objetiva, social e comunicativa, respectivamente; estas representando condições fundamentais à formação crítica e emancipada dos sujeitos (KUNZ, 2003). Para fins de compreensão e análise, tais competências são apresentadas separadamente, tendo em vista que na cotidianidade das práticas educativas estas se encontram mutuamente relacionadas.
Assim, os conteúdos da competência objetiva, referindo-se ao processo de ensino-aprendizagem da Educação Física Escolar, são tematizados pedagogicamente pautados em uma atuação bem-sucedida, competente e prazerosa em suas ações de movimento (KUNZ, 2003).
Tomando por base o ensino dos conteúdos propostos por Kunz (2001; 2003) o qual propõe que estes sejam ensinados por meio de uma seqüência de estratégias, denominadas de transcendência de limites, que considera várias etapas, tais como a encenação, problematização, ampliação e reconstrução coletiva do conhecimento, o autor propõe três etapas metodológicas pelas quais os sujeitos atribuem significados ao se-movimentar. Tais etapas são assim chamadas: “transcendência de limites”.
A Transcendência de Limites pela Experiência compreende a experimentação direta e não-problematizada do mundo em um processo pelo qual o sujeito atribui sentidos/significados ao seu se-movimentar a partir do seu mundo vivido, da situação colocada pela ação do movimento e pela proposição didática (KUNZ, 2001; 2003).
A Transcendência de Limites pela Aprendizagem referencia a aprendizagem dos elementos técnicos a partir da intencionalidade constituída pela idéia ou imagem do movimento. Nesta etapa, prescinde-se de um processo de ensino de destrezas impostas e padronizadas, possibilitando a problematização, a reflexão, a busca e a construção de possibilidades relacionadas ao se-movimentar humano; isto significa, para Kunz (2004, p.176), que: “[...] nesta forma de transcender limites, o aprender não consiste jamais pela ‘imitação da forma’ [...], mas um movimento deve ser aprendido por uma estratégia que TAMBOER denominou de ‘imitação de uma intenção”:
Acredita-se que o processo de ensino-aprendizagem dos gestos motores a partir da ‘imitação da intenção’ possibilita aos sujeitos um se-movimentar carregado de intencionalidade, de consciência, de individualidade e de subjetividade, tendo em vista que se trata de um movimento advindo da fusão das vivências anteriores do sujeito (mundo vivido) e das experiências oriundas desta ‘imitação da intenção’ (MORSCHBACHER, 2009, p. 27).
Já, a Transcendência de Limites pela Forma Criativa-inventiva abrange o processo de recriação/criação de movimentos e jogos em consonância com uma dada situação. Aqui, a partir das duas etapas da transcendência de limites anteriores, ressalta-se o sentido/significado atribuído autonomamente pelos sujeitos em um processo de “constituição e exploração de novos sentidos/significados” (MOLLENHAUER, 1972 apud KUNZ, 2003).
Esta etapa refere-se à construção criativa individual e coletiva de outras formas de aprendizado, leva-se em consideração a subjetividade dos sujeitos, propondo que o grupo explore e vivencie o aprendizado de diferentes formas.
Concluí-se, coadunando com a Teoria Crítico-emancipatória, que para uma Educação Física Escolar que visa propiciar condições à formação de sujeitos críticos, autônomos e emancipados, com capacidade de refletir e contextualizar seus conhecimentos, o educador necessita desenvolver, além da competência objetiva, as competências social e comunicativa.
A competência social refere-se às experiências em interações sociais baseadas no agir solidário, cooperativo e participativo (MAYER, 1987 apud KUNZ, 2003). Esta competência compreende um processo de problematização, de ressignificação das relações e dos papéis sociais matizados por aspectos relativos à discriminação e à sobrepujança.
A competência comunicativa, embora considere a linguagem verbal e o se-movimentar humano enquanto formas de comunicação dos seres humanos, atribui relevância, especialmente, à primeira. Assim, o diálogo suscitado pelos sujeitos com a finalidade de alcançar entendimentos relacionados às situações de aprendizagem, a ação de expressar-se, interpretar as suas experiências e as dos outros, além da compreensão do que os demais comunicam, no entendimento de Kunz (2003), desencadeiam iniciativas do pensamento crítico.
Pesquisa participante
A Pesquisa Participante é um tipo de investigação social pela qual se busca a plena participação da comunidade na análise de sua própria realidade com o objetivo de promover a participação social para benefício dos participantes da investigação (BRANDÃO, 1999).
É também diagnosticada por ser crítica à metodologia da pesquisa tradicional do campo científico das Ciências Sociais, especialmente no que se refere à neutralidade, a recusa de aceitação do postulado de distanciamento entre sujeito e objeto de pesquisa, o que remete à necessidade não só da inserção do pesquisador no meio, como de uma participação efetiva da população pesquisada no processo de geração de conhecimento, concebido fundamentalmente como um processo de educação coletiva. Outro item é o princípio ético de que a ciência não pode ser apropriada por grupos dominantes conforme tem ocorrido historicamente, mas deve ser socializada, não só em termos do seu próprio processo de produção como de seus usos, o que implica na necessidade de uma ação por parte daqueles envolvidos na investigação, no intuito de minimizar as desigualdades sociais nas suas mais variadas matizes.
A Pesquisa Participante envolve um processo de investigação, de educação e de ação. Alguns elementos podem ser utilizados para definir a pesquisa participante: a) A realização concomitante da investigação e da ação; b) A participação conjunta de pesquisadores e pesquisados; c) A proposta político-pedagógica a favor dos oprimidos (opção ideológica); e, d) O objetivo de mudança ou transformação social.
A Pesquisa Participante se apóia em três princípios fundamentais conforme Brandão (1999): 1) A possibilidade lógica e política de sujeitos e grupos populares serem produtores diretos, ou pelo menos, participantes do próprio saber orgânico da classe, um saber que nem por ser popular deixa de ser científico e crítico. Um saber que oriente a ação coletiva e que, justamente por refletir a prática do povo, seja plenamente crítico e científico, do seu ponto de vista; 2) O poder de determinação de uso e do destino político do saber produzido pela pesquisa, tenha ela tido ou não a participação de sujeitos populares em todas as etapas; e, 3) O lugar e as formas de participação do conhecimento científico erudito e de seu agente profissional do saber, no 'trabalho com o povo' que gera a necessidade da sua participação.
A metodologia da Pesquisa Participante difere em vários sentidos da pesquisa convencional, como elenca Haguette (2003), tendo em vista que o objeto de pesquisa deve ser definido pela população interessada, considerada "pesquisadora", mediante a assessoria de um ou vários investigadores profissionais de fora da área, comprometidos com a causa popular; Os pesquisadores profissionais devem tomar conhecimento da realidade na qual vão trabalhar através de estudos prévios, dados secundários e entrevistas com as lideranças locais; A equipe de pesquisa é composta dos pesquisadores profissionais e da população interessada ou seus representantes; O planejamento da pesquisa é elaborado pela equipe mista; Os objetivos da investigação são definidos pela população interessada a partir dos temas que são prioritários para ela.
O mesmo autor afirma que não existe uma fase de "trabalho de campo" como na pesquisa tradicional, mas uma geração de conhecimento dentro da ação da pesquisa onde pesquisadores profissionais e população interessada se beneficiam mutuamente da experiência uns dos outros; Em alguns casos são usadas as técnicas de coleta de dados da pesquisa convencional, como o questionário, a entrevista e a observação; A análise dos dados é feita através de técnicas "dialogais" com a participação de todos; Quando apenas alguns representantes da comunidade se incorporam à pesquisa, a equipe procede à "devolução" dos resultados através de reuniões amplas, pois se espera um efeito de feedback para validação dos dados; Propostas de ação são definidas em função das necessidades da população; A realidade pesquisada deve ser aquela identificada como de grupos oprimidos.
Em síntese, a pesquisa participante não provém de uma única teoria, não é um método único e, muito menos, não deve tender a substituir o que equivocamente tem sido chamada de pesquisa tradicional, seja a construir-se como uma escola própria (BRANDÃO, 1999).
Conforme acima expõe o autor, perpassou-se nesta pesquisa por algumas metodologias que dão o suporte para a efetivação do estudo.
Instrumentos de coleta das informações
O principal instrumento de coleta das informações se constituiu na pessoa do próprio investigador e do investigado, somado à sua capacidade de descrever, compreender, interpretar e explicar as informações do trabalho de campo, através das técnicas de coleta utilizadas, como a observação participante, o diário de campo e a análise de documentos. Inclui significativamente, a capacidade de escuta do investigador, que se traduz em procedimento metodológico (MOLINA; MOLINA NETO, 2002), no sentido de estar atento e aberto à comunicação entre os sujeitos e o contexto de pesquisa.
A opção por esses instrumentos de coleta de informações ocorreu em função de sua coerência ao delineamento da pesquisa e ao atendimento das características do problema de investigação.
O processo de investigação: a observação participante
A observação participante consiste na participação real do conhecimento na vida da comunidade (GIL, 1985). Será a obtenção das informações na perspectiva dos sujeitos investigados, das definições de realidade dos indivíduos e a organização do seu mundo particular. Essa inserção no mundo cotidiano dos sujeitos pesquisados é o que permite compreender o que fazem, os comportamentos, as expressões, os sentimentos, as crenças, as interações pessoais, as relações de poder e as concepções sobre o fenômeno estudado, pressupondo um grande envolvimento do pesquisador no cotidiano do investigado.
Essa relação do investigador e os sujeitos da pesquisa, Molina Neto (1999) afirma ser a observação participante uma técnica que demanda grande complexidade em seu entendimento, desenvolvimento e uso, pois se baseia no pressuposto reflexivo entre as subjetividades do investigador e dos informantes.
O trabalho de campo nesta escola teve início a partir dos primeiros contatos estabelecidos (09/09/2009), assim considero desde o primeiro dia em que fui até a escola realizar o diagnóstico tanto da Escola quanto da turma com a qual iria estagiar cumprindo a disciplina curricular de Estágio Curricular Supervisionado em Educação Física III – Séries/Anos Iniciais do Ensino Fundamental no 2º (segundo) semestre letivo de 2009 no Centro de Educação Física e Desportos (CEFD) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Também me apropriar do Projeto Político Pedagógico (PPP) da Escola o qual elenca Educação Física no Ensino Fundamental – Séries Iniciais de 1ª a 4ª séries. As aulas de Educação Física foram realizadas no mesmo turno de aula à tarde, sempre nos dias da semana terça-feira e quinta-feira, e mesmos horários 16 horas e 25 minutos às 17 horas e 25 minutos com uma turma de 23 (vinte e três alunos), da respectiva 3ª (terceira) série, Turma 33 (trinta e três) com uma Professora Titular que não ministra aulas de Educação Física.
As observações foram realizadas de maneira mais aberta, focalizando no fenômeno do estudo que ocorreu de modo progressivo, conforme o andamento da investigação e a reflexão sobre as informações recolhidas. Nas observações abertas, considerei importante, para a compreensão do fenômeno de estudo, participar de todas as situações cotidianas dos desses alunos na escola, não me limitando às aulas, mas participando de reuniões, intervalos, recreios, conselhos de classe e demais atividades como festa do dia das bruxas, aniversários de alunos, festa de final de ano. Organizei-me para realizar as observações procurando chegar à escola no início do turno da tarde, sendo o turno de aula desses alunos, para que pudesse observar, desde o horário de entrada, os acontecimentos e as situações cotidianas dos alunos e da escola.
Esse processo de interação, ao usar a observação participante que se estabelece entre o investigador e o objeto de estudo, tem o investigador como principal instrumento de coleta das informações na pesquisa. Cabe ao pesquisador, além da condição do uso dos sentidos com vistas a perceber a realidade e as interações pessoais, ser o mediador entre as informações da coleta e o emprego dos instrumentos ao longo de todo o processo de investigação. O observador pode recorrer aos conhecimentos e experiências próprias como instrumento de compreensão e interpretação do fenômeno estudado.
Necessário colocar que essa turma se não fosse a minha intervenção como estagiária não teria aulas de Educação Física, pois a professora titular não ministra a disciplina, e sim, estagiárias da própria instituição escolar na modalidade Magistério, apesar de estar contemplando a disciplina de Educação Física no PPP da escola não é ofertado por um Professor Titular contratado pelo Estado do Rio Grande do Sul.
O período de observação se constituiu como um processo de aprendizagem. Ao mesmo tempo em que observava os alunos participantes do estudo, procurei compreender o fazer pedagógico da professora titular da turma, confrontando-a freqüentemente com minha própria prática educativa nas situações em que presenciava. Esse exercício reflexivo permitiu-me fazer uma releitura da minha própria prática educativa à medida que aprofundava a convivência com a turma, seus hábitos, suas convicções, suas dificuldades e suas expectativas.
A aceitação da convivência por parte dos alunos participantes ocorreu durante todo o trabalho de campo, fator de extrema importância para o processo de investigação. Do mesmo modo, a acolhida dos pais, da direção, coletivo docente e funcionários. O acesso aos mais diversos momentos e utilização de materiais e espaços sempre foi facilitado, não havendo constrangimentos ou qualquer manifestação de reprovação.
A observação participante como técnica de coleta das informações para este estudo, além de ser um procedimento que exigiu atenção, percepção e memória para observar as mais diversas situações da realidade da escola, proporcionou participação como observador de acontecimentos com a intencionalidade do olhar para que não ficasse observando qualquer coisa e sim, a problematização referente à pesquisa.
Planejamento das aulas
As observações foram importantes para a construção do Cronograma e Planos de Aula, para a reflexão, e para a elaboração de questionamentos específicos sobre acontecimentos registrados no diário de campo confrontando-o freqüentemente com minha própria prática educativa nas situações em que vivenciava.
Foram 26 (vinte e seis) aulas planejadas e ministradas com o início no dia 01/10/2009 e finalização no dia 17/12/2009.
Utilizamos para o planejamento dos encontros as Aulas Abertas segundo Hildebrand (1993), e pela Abordagem Crítico-emancipatória de Kunz (2001). O Cronograma foi dividido em Primeira Unidade e Segunda Unidade, o primeiro foi planejado para as 10 (dez) primeiras aulas contemplando os conteúdos do PPP da escola que são: conhecimento sobre o corpo, através de atividades lúdicas, como jogos, brincadeiras, rodas cantadas, danças que envolvem a coordenação motora, equilíbrio, lateralidade, percepções, sensações e emoções, ritmos e criatividade, cooperação e respeito.
A avaliação das unidades consta de um instrumento que é a observação das atitudes, conhecimentos e habilidades adquiridas pelo aluno durante a unidade, quando, então, realizou-se um parecer descritivo individual contendo, se o aluno atingiu ou não os seus objetivos propostos referentes à disciplina.
Adotou-se um diário de campo onde, após cada aula, foram feitas anotações quanto ao desempenho dos alunos, dificuldades, progressões, participação, interesse e atitudes. As anotações do diário de campo foram um dos suportes para a elaboração do parecer descritivo.
Importante destacar que a cada elaboração do Plano de Aula uma aula antes de ser ministrada era mostrada para a professora titular da turma para que fosse possível dialogar sobre as atividades que seriam propostas na aula vindoura.
Na segunda unidade foram as 16 (dezesseis) aulas e o assunto central foi Yoga.
Após elucidar as unidades, partimos para os Planos de Aula, onde iniciamos com a primeira aula no dia 01/10/2009 com duração de uma hora, tendo como objetivo da aula o trabalho Esquema Corporal – noções de corpo como um todo. E fomos desmembrando em itens como: Materiais; Parte inicial; Primeira atividade; Segunda atividade; Quarta atividade; Quinta atividade; Relato da aula; Pontos Positivos; Pontos Negativos; Alternativas; Reflexão.
Na 9ª (nona) aula dia 29/10/2009 é que introduzi o yoga para a turma.
Aula inaugural de yoga
Foi necessário romper paradigmas e práticas individualizadas centradas no professor e identificadas como limitação à construção de uma outra proposta a qual utilizamos com as aulas de yoga para pensar a aprendizagem amparada na inclusão de todos os alunos.
Depois de refletir muito a respeito da primeira e segunda unidade as quais estavam sendo postas em prática, no caso a primeira, dialoguei e argumentei com o Professor Orientador da disciplina em questão, pois estava vislumbrando uma proposta de “aulas de yoga” para a turma 33(trinta e três), pelo fato do yoga contemplar tudo o que está descrito nas unidades.
Pedi um voto de confiança, que para mim soa como uma construção diferenciada, um desafio, quebra de paradigmas, um estímulo a ser alcançado. E obtive!
Plano de Aula 9: Objetivo da Aula: trabalhar principalmente o equilíbrio, respiração, concentração; Materiais: colchonete, som, cd; Parte Inicial: Explicar o que é o Yoga, a meditação, a respiração, a concentração, e elucidar as posturas que faremos nesta primeira aula. Primeira atividade: o espaço que temos é a sala de aula, colocaremos os colchonetes no chão e iniciamos a prática do yoga deitados em posição ereta. Segunda atividade: iniciamos a respiração abdominal e alongamentos. Terceira atividade: asanas (posturas) do yoga: o gato, a cobra, o peixe, o macaco e finalizamos com a árvore. Quarta atividade: alongamento e relaxamento com diálogo e reflexão da primeira aula de yoga realizada.
Relato da Aula: Iniciei a aula com o diálogo, explicando para os alunos como seria a nossa aula. Segundo a Organização Mundial de Saúde, yoga aumenta o rendimento escolar e a produtividade mental. Mas os benefícios vão além do lado comportamental das crianças, o corpo e a mente também são favorecidos, pois ela induz a um profundo relaxamento, tranqüilidade mental, concentração, clareza de pensamento e percepção interior juntamente com o fortalecimento do corpo físico e o desenvolvimento da flexibilidade.
Alguns destes benefícios para as crianças: a) Consciência de si mesma e de seu potencial produtivo; b) Desenvolvimento através dos asanas, força física, flexibilidade, agilidade e consciência corporal; c) Desenvolvimento da memória, concentração, capacidade de abstração matemática, lógica e espacial; d) Desenvolvimento da coordenação motora fina (habilidade para desenho e caligrafia); e) Tranqüilidade física, mental, ensina a criança o hábito de relaxar melhorando a qualidade do sono; f) Desenvolve a auto-estima e auto-imagem positiva, o hábito do pensamento positivo, equilíbrio e inteligência emocional ajudando a controlar a ansiedade; g) Desenvolve a saúde de forma geral, através da prática de algumas técnicas que geram um estímulo ao correto funcionamento do sistema imunológico e do sistema glandular; h) Melhoria e manutenção de uma visão saudável através dos trátákas (exercícios de visão e foco); i) Estimula os processos digestivos, combatendo prisão de ventre, úlceras, azias e má digestão; k) Criação e melhora do hábito da postura correta; l) Melhora no humor: ajuda crianças "hiperativas" a desenvolverem controle e percepção de sua condição acelerada; e, m) Desperta para hábitos alimentares mais saudáveis.
A prática ajuda indiretamente no despertar da consciência não competitiva, pois não existe recompensa, nem vencedores nem perdedores. Através da prática dos asanas, pranayamas e meditação tudo o que se obtém, ajuda a criança no desenvolver de uma consciência livre de ilusão para a percepção do mundo, proporcionando um crescimento saudável e feliz.
Foi alcançado o objetivo da primeira atividade tendo em vista a aprovação de todos os alunos em vivenciarem uma “aula de yoga”. Neste dia estavam presentes 20 (vinte) alunos dos 23 (vinte e três), e na sala de aula arredamos as classes e cadeiras para que pudéssemos colocar os colchonetes emprestados da UFSM para a prática do yoga. Iniciamos com a respiração diafragmática ouvindo mantra e relaxando. Pedi para que colocassem uma das mãos sobre o umbigo (plexo solar) e a outra em cima do abdômen e respirassem pelo nariz. Foi executado com muita calma e a resposta foi positiva. Partimos para o alongamento e insisti na respiração, mas percebi que eles estavam mais agitados. Para motivá-los, fui de imediato para a segunda atividade do planejamento, que são os asanas e iniciamos com o gato que são quatro apoios, no momento que inspira sobe a coluna, tentando arredondar como um gato, e no momento que respira solta o corpo. Gostaram muito e se identificaram nesta postura. Ainda na mesma postura realizamos exercícios de alongamento de membro inferior, rotação de tornozelos.
A outra postura foi à cobra, os alunos adoraram, principalmente no momento do ataque onde eles puderem se expressar através do “guizo”, a técnica é: decúbito ventral, com as mãos ao lado do tórax com o queixo ou a testa apoiada; elevar lentamente o tronco até o umbigo; efetuar o guizo da cobra. A próxima postura foi a do peixe com a qual trabalhamos a lateralidade. Todas essas posturas foram trabalhadas no plano inferior – quatro apoios ou deitados no colchonete. Lentamente nos colocamos em dois apoios, com os pés em cima do colchonete para realizarmos a postura do macaco que caracterizasse pela soltura dos braços, o caminhar conforme um gorila e assim por toda a sala de aula.
A última postura desta aula foi a árvore onde foi solicitada muita concentração, equilíbrio, respiração. Iniciei com eles olhando para um ponto fixo, após ficamos na meia-ponta dos pés, só depois disso, partimos para a postura (em pé, pés unidos; o pé direito com a planta apoiada na parte interna da coxa esquerda; mãos no peito). Todos tiveram muita dificuldade para realizar a postura. Finalizamos com a borboleta para após em posição de meditação (joelho cruzado) iniciar a meditação. Guardamos os colchonetes e o tempo já estava esgotado.
Aspectos positivos: Essa foi a melhor aula desde que eu iniciei a ministrar aulas para eles. Todos sentimos prazer na aula. Chamou a atenção “o novo”, e todos experenciaram. Ao término da aula, para a minha surpresa, todos pediram para que iniciássemos todas as aulas com yoga, e se fosse o caso partiríamos para outras atividades, se não, eles gostariam de terem só aulas de yoga. Foi muito gratificante ouvir de todos o pedido, e também visualizar a satisfação do “novo”, da “ruptura”. Aspecto negativo: O aluno 20 mesmo realizando a aula na minha frente, incomodou as colegas 21 e 22, tive que chamar a atenção dele, pois não estava deixando as colegas se concentrarem nem ele próprio.
Continuação das aulas de yoga
O Plano de Aula 10 (dez) do dia 03/11/2009 finalizou a Primeira Unidade, então planejei com os alunos uma forma que eles pudessem expressar por um desenho as nossas aulas de Educação Física que foram oportunizadas, e que também neste desenho fosse elaborado uma frase explicando as nossas aulas. O planejamento seguiu com a finalização do desenho de todos. Iniciamos a movimentação de arrumar a sala de aula e organizar os colchonetes no chão da sala. Devido ao tempo de utilização para expressar as aulas pelo desenho, realizamos a aula de yoga em poucos minutos, mas conseguimos meditar e realizar duas posturas, a do gato e a do macaco. Finalizamos com a borboleta e a organização da sala de aula.
Relato da aula: Estou iniciando o trabalho com esses alunos com o Yoga Clássico, pois eu realizo aulas de Yoga Clássico com o Mestre que possui mais de 30 (trinta) anos de yoga e é filiado à 1º Associação Brasileira de Profissionais de Yoga. O Yoga Clássico enfatiza respiração, meditação, mantras, e pretendo desenvolver essas aulas com os alunos, tendo em vista a aceitação unânime, na verdade, é uma exigência por parte deles. Como o dia estava chuvoso 5 (cinco) alunos faltaram a aula e uma aluna não entregou o desenho e a frase. A partir dos desenhos e das frases que estão documentados no Diário de Campo pôde-se fazer uma análise quantitativa da aprovação ou rejeição da “aula de yoga”, sempre enfatizando que os alunos só haviam realizado uma aula de yoga. Foram 19 (dezenove) desenhos e frases sendo 4 (quatro) não expressaram nem por frase e nem pelo desenho a aula de yoga, e 15 (quinze) expressaram a satisfação da aula de yoga pelo desenho ou pela frase. Destaco algumas frases: “Fazendo yoga e futebol na Educação Física” (Aluno 1); “Eu gosto da Educação Física por causa do yoga” (Aluno 2); “Eu gosto da Educação Física por que tem yoga e a gente descansa” (Aluno 3); “Eu gosto de yoga porque me causa paz” (Aluno 4); “Adoro Educação Física, e gosto de jogar vôlei” (Aluno 5); “Aula de yoga é o máximo” (Aluno 6); “Yoga me traz paz” (Aluno 7); e, “Eu gosto de fazer Educação Física por que a gente se diverte e ao mesmo tempo a gente ganha saúde” (Aluno 8).
Nessa mesma aula do dia 03/11/2009 a Professora titular da turma escreveu no meu Diário de Campo o que está observando das aulas de Educação Física, assim descrevo: “Ana Paula. É possível observar em teu trabalho uma preocupação com a qualidade do planejamento. Tens nos brindado a cada aula, com propostas de trabalho criativas, diversificadas e principalmente significativas. Todas as terças e quintas-feiras as crianças te esperam ansiosas e isto é a prova de que tuas aulas vêm ao encontro de suas expectativas. Espero que continues empenhada, em apresentar bons resultados, pois é de educadores assim que a “escola brasileira” precisa: Os que colocam a serviço das crianças, as mãos, o cérebro e o coração”.
E assim nossas aulas foram seguindo, e como bem coloca Giovanni (2005, p.48):
Ser professor, assim como ser aluno, implica uma relação de cumplicidade no que se refere ao compromisso com o ato de buscar conhecimento a respeito do conteúdo a ser ensinado, a respeito dos seres humanos envolvidos nessa relação, seu espaço e momento históricos e a respeito de como realizar e aperfeiçoar, teórica e tecnicamente, tanto o trabalho de ensinar, quanto o trabalho de aprender.
As mudanças foram acontecendo e aparecendo, claro que em alguns alunos se acentuava mais e outros menos, mas mudanças estavam acontecendo e as aulas prosseguiram.
Aula no centro de yoga
Essa aula aconteceu no dia 10/12/2009 sendo o 23º (vigésimo terceiro) Plano de Aula e a 15ª (décima quinta) aula de yoga. Foi uma aula inusitada, pois nos deslocamos da escola até o Centro de Yoga para a execução da aula conjuntamente com o meu Mestre que ministra aulas de Yoga Clássico, que nos induz a um profundo relaxamento, tranqüilidade mental, concentração, clareza de pensamento e autoconhecimento, juntamente com o fortalecimento do corpo físico e o desenvolvimento da flexibilidade.
Passo a relatar a aula conforme consta no Diário de Campo: Relato da Aula: Sem palavras! Maravilhosa! Gratificante! Hoje foi uma aula atípica, inédita e espero que todos levem e guardem para sempre esse momento, pois foi marcante! Foi um tumulto para levá-los até o Centro de Yoga que fica próximo à escola, mas tivemos que atravessar duas ruas, e na ida foi mais tumultuada, mas a volta à escola foi ótima, eles estavam relaxados.
Nunca vi a turma tão bem comportada, silenciosa, concentrada, relaxada, encantada com tanta harmonia. Todos ficaram maravilhados com o ambiente, pois é um Centro de Yoga nos padrões indianos pelo fato do Mestre ter feito alguns cursos na Índia. O Mestre foi maravilhoso como sempre e a “nossa” aula foi uma completa harmonia e entrosamento. Ele não é especialista em ministrar aulas para crianças, mas ficou encantado com todos e elogiou o nosso trabalho, as aulas que estamos realizando, porque quando iniciou os asanas e falou que iríamos iniciar com a postura do gato e após a do cachorro, os alunos disseram que sabiam como fazer a postura, com isso, ele questionou outras, como: o macaco, peixe, árvore... E também disseram que sabiam! Foi muito gratificante! Na execução da aula, fotografamos para esse momento ficar registrado para sempre na memória e documentalmente, no caso das fotos. Todos os alunos fizeram questão de participar/vivenciar essa aula, até mesmo a aluna 25 que estava com dor de cabeça, quis participar. Estavam presentes 22 (vinte e dois) alunos, sendo que a aluna 26 não compareceu na escola nesse dia. Após o término da aula no Centro de Yoga, os alunos eram só elogios, e pediram para o Mestre dar aulas para eles também, mas com uma condição, eu teria que estar presente e todas as aulas teriam que ser realizadas no Centro de Yoga, e mais, disseram que se fosse preciso todos pagariam para ter aulas nesse ambiente. Naquele momento, percebi o quão importante foi essa aula, e também a clareza com que argumentaram sobre as aulas foi encantador, pelo fato da valoração e resultado de uma proposta inovadora que estão sendo contemplados. Ao retornarmos para a escola, a aluna 25 que estava com dor de cabeça relatou que a dor tinha passado com a aula de yoga, e que ela estava muito feliz por ter conhecido um lugar com muitas histórias e tão agradável.
Aspectos Positivos: Inúmeros... União da turma, socialização, respeito, silêncio, concentração, corporeidade, respiração, postura, eliminação de pensamentos negativos, eliminação de toxinas. Todos os alunos expressaram o contentamento pela aula, e tenho certeza que vi ficar registrada na memória de todos, pois ainda hoje eles pedem para que façamos outra aula no Centro. Foi um momento único! Um momento mágico!
Aspectos Negativos: Atravessar duas ruas com (22) vinte e dois alunos, mas percebo que não foi tão difícil. Foi até mesmo instrutivo, pois foi preciso coleguismo, ajuda entre eles.
Alternativas: Possibilitar mais aulas nesse ambiente próprio para a prática do yoga.
E assim, continuamos com as aulas na escola, sendo a última do ano letivo de 2009 no dia 17/12/2009.
Diálogos
Neste período que estive na escola foram construídos diálogos com diferentes pessoas. O diálogo, entendido como conversa entre duas ou mais pessoas, pode ser traduzido pela informalidade da situação do contato com pessoas que tem algum envolvimento com o que é investigado (SILVA, 2000).
Deste modo, ao longo do trabalho de campo, estabeleceram-se contatos e construções de diálogos com a supervisão pedagógica, com outros professores, pais, outros alunos da escola. Entende-se que estes diálogos, talvez em função da informalidade ou da espontaneidade dos momentos em que ocorreram, constituem-se em importantes instrumentos de coleta, na medida em que são registrados em diário de campo e permitem interpretar a própria “tradução” que fazemos de alguns aspectos daquela cultura, considerando-se que o que é dito, o lugar, a hora e o momento apropriado articulam-se de maneira indissociável (SILVA, 2000, p.60). Estes registros dos diálogos se constituíram como fragmentos importantes ao longo do processo de análise e no processo de construção do texto para a compreensão dos significados atribuídos sobre as aulas de yoga.
Assim transcrevem-se algumas conversas: “Acho as aulas de yoga bem legal, nós meditamos e temos pensamentos bons” (Aluno 10); “O aluno 10 não era interessado, era muito desatento, brigão e vejo a melhora dele a cada aula que tu oferece para a turma. O desempenho nas matérias melhorou e em casa ele também tem feito yoga. A nossa relação também melhorou, ele tem me respeitado mais” (Mãe do Aluno 10). Vários fatores concorrem para a melhora interpessoal como sentimentos e valores, convívio e espaço que ocupam na sociedade, mas, sobretudo percebeu-se que o ponto fundamental está intimamente condicionado ao “gostar do que se faz e com quem faz”, como demonstra esse relato.
“Com as aulas de yoga eu tenho mais concentração e me sinto mais calma depois de da aula de yoga, e vou para casa mais calma, porque eu não sou tão calma” (Aluna 11); “O aluno 11 chega em casa e vai para a minha cama fazer aula de yoga, ele ensina o irmão que é mais velho e se divertem. Esses dias ele colocou todos nós (pai, mãe e irmão) a fazerem uma aula de yoga que ele era professor. Percebemos que ele está mais calmo, mais paciente, mais envolvido com a família. Ele adora as aulas de yoga” (Mãe do Aluno 11). Na educação fundamental há sempre uma grande preocupação com o desenvolvimento da sua identidade, e esse desenvolvimento exige uma conduta explorativa e de sincronia com a família que é a base, por isso nos reportamos a De Marco (2006, p. 108):
Nesse contexto, torna-se importante submeter os conhecimentos e vivências na natureza à análises criteriosas e, nos limites do ensino formal, partir em busca de sentido que vislumbre a formação de praticantes mais conscientes de sua história na direção de sua emancipação, superando as perspectivas tradicionais que lhes atribuem funções de meros executores de atividades escolhidas e planejadas previamente.
“Professora, eu gostava de Educação Física, só que era dado pelas alunas do magistério, e quando a gente teve aula com a senhora foi muito melhor. Hoje eu valorizo muito as tuas aulas porque aprendemos e tu sabe dar uma aula ótima, inclusive aula de yoga que eu gosto muito” (Aluno 12); Por meio desse relato destaco o objetivo dessa pesquisa e elenco FREIRE (1996, p.24):
(...) quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade.
“Estou perplexa e muito feliz com a mudança que tu proporcionaste para o Aluno 13, pois é visível o envolvimento de vocês, desde a primeira aula, foi uma troca incrível. Com as tuas aulas, a tua atenção, hoje ele é um ótimo aluno. Antes era o último a ler o que estava no quadro e passar para o caderno, as notas principalmente em matemática não eram boas, estava sempre no mundo da lua. Ele foi o aluno que mais percebi a diferença a partir da tua intervenção, claro que tiveram outros como o 14, 15, mas percebo a diferença em toda a turma” (Professora da turma). Através desse relato, constatou-se um maior interesse dos alunos, inclusive em relação a outras áreas do ensino. Os alunos passaram a atuar de maneira mais concentrada, muito mais interessados acerca dos assuntos enfocados em sala de aula, e isso foi proporcionado pela prática do yoga. Também foi um trabalho colaborativo, como bem diz TERRA (2004, p. 158):
Desenvolver um trabalho colaborativo que se propõe desde uma dimensão coletiva, onde o diálogo irrestrito entre os participantes é uma das principais diretrizes para uma prática crítica comprometida com a melhora do ensino e da formação profissional, representa ter presente os conflitos e os elementos de orientação na construção do saber no coletivo.
“A turma toda está falando aos quatro ventos das maravilhosas aulas de yoga que eles têm, a professora regente é só elogios para o teu trabalho. Eu vou querer participar de uma aula um dia desses” (Diretora da escola); “A minha amiga me perguntou se eu tinha aula de inglês, espanhol na terceira série aqui na escola, eu disse que não, perguntou também se tínhamos laboratórios para as aulas de ciências, e disse que não, sabe professora ela estuda em uma escola particular aqui em Santa Maria, e eu disse que sabia uma disciplina que tínhamos e nenhuma outra escola aqui tem que é o yoga e ela ficou bem interessada e disse que iria perguntar para a professora dela o porquê nessa escola particular não se tem aulas de yoga” (Aluno 16).
Através das falas dos alunos, pais e professores denota-se a mudança de atitude desta turma neste processo de aprendizagem interdisciplinar com as aulas de yoga, e corroborando com esse pensamento Serrão (2006, p.126) escreve que a atividade principal do professor é ensinar e promover o desenvolvimento dos seus alunos com os quais interage. Isso pode ser estimulado pelo ensino organizado com ações direcionadas a aprendizagem de conceitos pelos alunos, “colocando-os em movimento, em uma posição ativa diante do conhecimento que se convencionou culturalmente relevante para a compreensão e transformação da realidade objetiva”.
Considerações finais
No decorrer deste trabalho, observou-se o desenvolvimento de uma proposta de aprendizagem interdisciplinar estimulada pelo yoga que abarcou dimensões física, mental e emocional com uma turma de alunos numa escola estadual. Com esses alunos pôde-se observar a mudança de atitude, no caso o pensar crítico e reflexivo sobre o que se faz e o porquê se age de determinada maneira tendo o como viés as aulas de yoga.
Observou-se com esta turma, também, que as aulas de yoga fortaleceram-se através da dimensão mental e física, onde as emoções, concentrações, reflexões estão em evidência, tendo em vista que o conhecimento se instaura como um aprender mediante movimentos internos e externos do nosso corpo. Para além de ser, é preciso experimentar, e este estudo focaliza a aprendizagem como uma experimentação de saberes conjuntamente com a emoção que influencia a razão.
As dimensões do processo de aprendizagem foram adequadamente levadas em conta neste Diário de Campo para o planejamento e execução das aulas de yoga, bem como a efetivação do processo de consciência corporal considerando o biótipo e as diferenças individuais dos alunos.
Percebeu-se que a negligência das dimensões física, mental e emocional como um todo representou para o aluno insegurança física e psicológica como era o caso de muitos alunos neste estudo. Mudanças aconteceram através da verbalização, diálogos, reflexão, conhecimento gerado de forma multidisciplinar nas aulas de yoga, como no caso o yoga tem sua raiz na Índia, onde fica a Índia? É um país da Ásia Meridional, banhado pelo Oceano Índico, é o segundo país mais populoso do mundo, a atração turística mais visitada é o Thaj Mahal, o Rio Ganges é um dos principais rios do subcontinente Indiano, e assim sucessivamente.
Destaca-se que no momento de execução dessa pesquisa estava em rede nacional a novela “Caminhos da Índia” e que por ser uma questão midiática percebeu-se como favorável para o interesse dos alunos e também como elucidação de fatos.
A partir dessa proposta metodológica implantada nessa escola, onde se buscou um espaço para a multidisciplinaridade com as aulas de yoga, conseguiu-se de forma plena e valiosa o destaque para o “novo”, tanto o é, que a Direção pediu a continuidade no próximo ano letivo das aulas de yoga, tendo em vista que já possuímos um espaço onde conquistamos na escola, e seria uma perda para a instituição, bem como para os alunos.
Com esse pedido da Direção da Escola, da professora da turma e dos alunos, estou na instituição até o dia de hoje ministrando aulas de yoga como voluntária, e a cada dia percebo o quão gratificante é estar próximo a escola e aos alunos interagindo com um objetivo de maturidade e de resignificação de muitos conceitos.
Constatou-se com este estudo que a aprendizagem através das aulas de yoga expressa uma interação de saberes, pois as mudanças são visíveis, e toda a experiência, especialmente em relação a nós mesmos é modificadora, pelo fato de toda a interação interferir na alteração das atitudes de agir, pensar, e assim, a aprendizagem ocorre a partir de uma história particular de interações.
Infelizmente não contamos com a disciplina de yoga no nosso currículo de Graduação em Educação Física Licenciatura – CEFD/UFSM, pois como colocado anteriormente, é mais um campo de atuação para os licenciados e que hoje temos que buscar em cursos de formação fora da instituição, acarretando assim, menos uma proposta de trabalho multidisciplinar nas nossas escolas. Por outro lado, os governantes devem também possibilitar melhores condições de trabalho nas diversas instituições de educação, para que essas possam estar mais motivadas na busca de padrões de excelência educacional.
Verifica-se que o perfil que se exige para a atuação em escolas não tem sofrido mutações, continuamos com a educação bancária e retrógrada. Pelo que foi exposto, entende-se que as mudanças devem ocorrer exigindo superação do paradigma das qualificações limitadas às exigências mínimas da escola e determinando a emergência de um modelo de educação concebido com ampla flexibilidade.
Em síntese, espera-se poder dar continuidade a esta pesquisa, investigando processos de desenvolvimento para o aprendizado multidisciplinar com o yoga na escola. Nesse sentido, deseja-se prosseguir na busca de um caminho mais reflexivo, humano e saudável para o aprender, tendo conseqüências no processo de aprendizagem como um todo.
A experiência vivenciada foi muito proveitosa com os alunos da 3ª série do ensino fundamental, demonstrando o quanto é importante um enfoque mais aberto da disciplina de Educação Física, pois esta se mostra muitas vezes presa à exigência de se ter sempre aulas com uso de materiais como a “bola” e jogos institucionalizados. Os alunos aprovaram a nova abordagem, aprimorando, a mente, o físico a partir de alongamentos e exercícios respiratórios. Enfim, sentiram-se satisfeitos, deixando passar um enorme contentamento e uma imensa gratidão pela introdução da prática do yoga na escola.
Por:
Ana Paula Facco Mazzocato- Acadêmica da Licenciatura em Educação Física (CEFD/UFSM)
Hugo Norberto Krug- **Doutor em Educação. Doutor em Ciência do Movimento Humano Professor Associado do Departamento de Metodologia do Ensino (UFSM)
(Brasil)
Fonte:http://www.efdeportes.com/efd149/yoga-na-escola-aprendizagem-interdisciplinar.htm
sábado, 16 de outubro de 2010
TRANSTORNO DISMÓRFICO CORPORAL - VIGOREXIA
Introdução
A adicção ou dependência ao exercício, também chamada de Vigorexia ou Overtraining, em inglês, é um transtorno no qual as pessoas realizam práticas esportivas de forma continua, com uma valorização praticamente religiosa (fanatismo) ou a tal ponto de exigir constantemente seu corpo sem importar com eventuais conseqüências ou contra-indicações, mesmo medicamente orientadas.
É bastante curioso observar como as patologias mentais ou, no mínimo, os sintomas mentais evoluem e se transformam ao longo do tempo ou entre as diversas culturas, mostrando-se sensíveis às mudanças sócio-culturais. Observa-se que a prevalência das Doenças Mentais está absolutamente associada a uma época determinada e a determinados valores culturais.
A Vigorexia está nascendo no seio de uma sociedade consumista, competitiva, frívola até certo ponto e onde o culto à imagem acaba adquirindo, praticamente, a categoria de religião. A Vigorexia e, em geral os Transtornos Alimentares exemplificam bem a influência sociocultural na incidência de alguns transtornos emocionais.
Com toda certeza, a Vigorexia é uma das mais recentes patologias emocionais estimuladas pela cultura, e nem foi ainda catalogada como doença específica pelos manuais de classificação (CID.10 e DSM.IV).
A Vigorexia, mais comum em homens, se caracteriza por uma preocupação excessiva em ficar forte a todo custo. Apesar dos portadores desses transtornos serem bastante musculosos, passam horas na academia malhando e ainda assim se consideram fracos, magros e até esqueléticos. Uma das observações psicológicas desses pacientes é que têm vergonha do próprio corpo, recorrendo assim aos exercícios excessivos e à fórmulas mágicas para acelerar o fortalecimento, como por exemplo os esteróides anabolizantes.
As pesquisas sobre dependência (ou adicção) a quaisquer coisas caminham, hoje em dia, através da Psiquiatria, da Psicologia Experimental e da Neurobiologia no sentido de se identificar elementos emocionais e biológicos que contribuem para alterar o equilíbrio do prazer (homeostasia hedonista), levando assim à dependência ou adicção. A palavra "adicção", em português, é um neologismo técnico que quer dizer, de fato, "drogadicção".
O termo Vigorexia, ou Síndrome de Adônis, foi primeiramente assim denominado pelo psiquiatra americano Harrisom G. Pope, da Faculdade de Medicina de Harvarde, Massachusetts. Os estudos de Pope foram publicados na revista Psychosomatic Medicine com a observação de que cerca de um milhão de norte-americanos entre os nove milhões adeptos à musculação podem estar acometidos pela patologia emocional. As duas rexias, Anorexia e Vigorexia foram consideradas por Pope como doenças ligadas à perda de controle de impulsos narcisistas.
Apesar de todas as características clínicas da Vigorexia, vários autores não a consideram uma nova doença ou uma entidade clínica própria mas sim, uma manifestação clínica de um quadro já amplamente descrito; o Transtorno Dismórfico Corporal. Essa manifestação clínica separada seria o chamado Transtorno Dismórfico Muscular (ou Vigorexia).
Vigorexia ou Síndrome de Adônis
A escravização que as pessoas das sociedades civilizadas se submetem aos padrões de beleza tem sido um dos fatores sócio-culturais associados ao incremento da incidência dos Transtornos Dismórficos, sejam Corporais (associados à Anorexia e Bulimia) ou Musculares (Vigorexia).
O habitual desejável ao ser humano moderno é estar moderadamente preocupado com seu corpo, sem que essa preocupação se converta numa obsessão. O ideal desejável e sadio não é o padrão imposto pelas revistas de beleza e pelos modelos publicitários mas sim, estar satisfeito consigo mesmo e aceitar-se como é. Mas quem, na adolescência não se sentiu complexado alguma vez, ao menos pelo tamanho de seu nariz? Quem não sofreu com a acne na puberdade?
Tais complexos acabam gerando insegurança social, podem agravar a introversão e timidez. A atitude mais habitual, apesar de inocente, é acreditar que a timidez e insegurança sociais seriam resolvidas caso a pessoa fosse bela, forte, um modelo de homem perfeito, um corpo escultural. Nasce aí a obsessão de beleza física e perfeição, os quais se convertem em autênticas doenças emocionais, acompanhadas de severa ansiedade, depressão, fobias, atitudes compulsivas e repetitivas (olhadas seguidas no espelho) e que conduzem ao chamado Transtorno Dismórfico Corporal.
O termo Dismorfia Corporal foi proposto em 1886 pelo italiano Morselli. Freud descreveu o caso do "Homem Lobo", uma pessoa que, apesar de ter um excesso de pelos no corpo, centrava sua excessiva preocupação na forma e tamanho de seu nariz. Ele o via horrível, proeminente e cheio de cicatrizes.
Embora exista um grande número de pessoas mais ou menos preocupadas com sua aparência, para ser diagnosticado Dismorfia, deve haver sofrimento significativo e uma reiterada obsessão com alguma parte do corpo que impeça uma vida normal. Quando esse quadro todo se fixa na questão muscular, havendo uma busca obsessiva para uma silhueta perfeita, o transtorno se chamará Vigorexia ou Transtorno Dismórfico Muscular.
A busca de um corpo perfeito e musculoso a qualquer preço começa, então, a ser tratada como uma patologia. A Vigorexia, ou Síndrome de Adônis, é um transtorno emocional assim denominado pelo psiquiatra americano Harrison G. Pope da Faculdade de Medicina de Harvard, Massachusetts (veja a entrevista com Pope em Notícias PsiqWeb).
Os estudos de Pope foram publicados na revista Psychosomatic Medicine, e constaram da observação de adictos à musculação, e comprovaram que entre mais de 9 milhões de norte-americanos que freqüentam regularmente academias de ginástica, cerca de um milhão poderia estar acometido por este transtorno emocional.
A Vigorexia, como vimos pode ser sinônimo de Dismorfia Muscular (ou Transtorno Dismórfico Muscular) e não é casualidade que o nome Vigorexia rime com Anorexia.
As duas doenças promovem a distorção da imagem que os pacientes têm sobre si mesmos: os anoréxicos nunca se acham suficientemente magros, os Vigoréxicos nunca se acham suficientemente musculosos. Ambas podem ser consideradas como "patologias do narcisismo". Alguns autores já estão atribuindo o aparecimento da Vigorexia à moda e à um estilo de vida tipo "vigilante da praia".
Não se trata, simplesmente, de fazer exercícios para receber o diagnóstico de Vigorexia. Os exercícios orientados, com indicação médica ou terapêutica, recreativos e/ou de condicionamento continuam sendo muito bem vindos na medicina e na psiquiatria.
Entretanto, as pessoas que treinam exaustivamente, não apenas para se sentirem bem, mas para ficarem estupendos e perfeitos, são sérios candidatos ao diagnóstico de Vigorexia. Normalmente essas pessoas estão dispostas a manter uma dieta rigorosa, a tomar fármacos e a treinar duro para conseguir seu objetivo. Elas perdem a noção de sua própria corporeidade e nunca param ou ficam satisfeitos.
Os sintomas da Vigorexia se evidenciam pela obsessão em tornar-se musculosos. Essas pessoas olham-se constantemente no espelho e, apesar de musculosos, podem ver-se enfraquecidos ou distantes de seus ideais. Sentirem-se assim "incompletos", faz com que eles invistam todas as horas possíveis em exercícios e ginásticas para aumentar sua musculatura.
Es difícil estabelecer limites entre um exercício saudável e um exercício obsessivo, mas é bom lembrar que os vigoréxicos, além da musculação continuada, comem de forma atípica e exagerada. Esses pacientes se pesam várias vezes por dia e fazem continuadas comparações com outros companheiros de academia. A doença vai derivando num quadro obsessivo-compulsivo, de tal forma que eles se sentem fracassados, abandonam suas atividades e se isolam em academias dia e noite.
Alguns anoréxicos podem chegar a ingerir mais de 4.500 calorias diárias (o normal para uma pessoa é 2.500), e sempre acompanhado por numerosos e perigosos complementos vitamínicos, hormonais e anabolizantes. Tudo isso é feito com o propósito de aumentar a massa muscular, mesmo tendo sido alertados quanto aos graves efeitos colaterais desse estilo de vida.
A Vigorexia deve ser considerada um transtorno da linhagem obsessivo-compulsiva, tanto pela obsessão em musculatura, pela compulsão aos exercícios e ingestão de substâncias que aumentam a massa muscular, quanto pela fragrante distorção do esquema corporal.
Todavia, apesar de ser clinicamente característica, a Vigorexia não está ainda incluída nas classificações tradicionais de transtornos mentais (CID.10 e DSM.IV), embora possa ser considerada uma espécie de Dismorfia Corporal, já que também é conhecida com o nome de Dismorfia Muscular.
Personalidade da Vigorexia
Podemos encontrar, entre portadores de Vigorexia, pessoas que só buscam a figura perfeita, influenciadas por modelos culturais atuais, ou esportistas que querem obsessivamente chegar a ser os melhores, exigindo insensatamente de seu organismo até sua meta ser alcançada. Recentemente temos visto também, entre os vigoréxicos, pessoas portadoras de personalidade introvertida, cuja timidez ou retraimento social favorecem uma busca do corpo perfeito como compensação aos sentimentos de inferioridade.
Estas pessoas possuem alguns traços característicos de personalidade, costumam ter baixa autoestima e muitas dificuldades para integrar-se socialmente, costumam ser introvertidas e podem, com freqüência, rejeitar ou aceitar com sofrimento a própria imagem corporal. Em alguns casos, a obsessão com o próprio corpo se parece muito com o mesmo fenômeno observado na anorexia nervosa.
O fisiculturismo é um dos esportes que mais comumente se relaciona com este tipo de transtorno, mas isso não significa que todos fisiculturistas tenham Vigorexia. Os vigoréxicos praticam seus esportes e ginásticas sem levar em conta ou sem se importarem com as condições climáticas, condições físicas limitadoras ou mesmo inadequações circunstanciais do dia-a-dia, chegando a sentirem-se incomodados ou culpados quando não podem realizar essas atividades.
Os critérios de diagnóstico para a Vigorexia ainda não estão claramente estabelecidos por tratar-se de um transtorno tornado freqüente mais recentemente, possivelmente depois da última edição do CID.10 e DSM.IV, portanto, ainda não reconhecido como um uma doença clássica e característica pelas classificações internacionais.
Conseqüências da Vigorexia
Uma das conseqüências da vigorexia ou overtraining, dizem respeito ao excesso de treinamento e às reações corporais que avisam, por assim dizer, que algo está errado. São reações semelhantes ao estresse tais como: insônia, falta de apetite, irritabilidade, desinteresse sexual, fraqueza, cansaço constante, dificuldade de concentração entre outras.
Além da obsessão com o corpo perfeito, a Vigorexia também produz uma importante mudança nos hábitos e atitudes dos pacientes, notadamente na questão alimentar. Até a mínima caloria ingerida será contabilizada e medida com máxima atenção, pois a beleza corporal dependerá disso. A vida do anoréxico gira em torno dos cuidados com seu corpo, sua dieta é minuciosamente regulada, eliminando-se totalmente as gorduras e, ao contrário, consumindo-se excessivamente as proteínas. Esse desequilíbrio alimentar acaba por sobrecarregar o fígado, obrigando-o a desempenhar um trabalho extra.
A Vigorexia causa problemas físicos e estéticos, como por exemplo, a desproporção displásica, também entre o corpo e cabeça, problemas ósseos e articulares devido ao peso excessivo, falta de agilidade e encurtamento de músculos e tendões.
A situação se agrava quando surge o consumo de esteróides e anabolizantes com o fim de conseguir "melhores resultados". O consumo destas sustâncias aumenta o risco de doenças cardiovasculares, lesões hepáticas, disfunções sexuais, diminuição do tamanho dos testículos e maior propensão ao câncer da próstata.
Emocionalmente, segundo estudos de Pope, a Vigorexia pode ter como conseqüência um quadro de Transtorno Obsessivo-conpulsivo, fazendo com que os pacientes se sintam fracassados e abandonem suas atividades sociais, inclusive de trabalho, com o propósito de treinar e exercitar-se sem descanso.
Costuma haver algum grau significativo de comprometimento social e/ou ocupacional nos pacientes portadores de Vigorexia, e sua qualidade de vida pode ser agravada ainda por procedimentos potencialmente iatrogênicos e onerosos, como tratamentos cirúrgicos e dermatológicos desnecessários.
Sintomas e Patologia da Vigorexia
Psiquiatricamente o quadro mais diretamente associado à Vigorexia é a chamada Dismorfia Muscular (ou Transtorno Dismórfico Muscular), uma patologia psíquica das pessoas excessivamente preocupadas com a própria aparência, constantemente insatisfeitas com seus músculos e continuadamente em obsessiva busca da perfeição.
O sintoma central parece ser uma distorção na percepção do próprio corpo e deste sintoma decorrem os demais, como por exemplo, a obsessão pelos exercícios e dietas especiais. Esse tipo de sintoma básico (percepção distorcida do próprio corpo) também é o sintoma principal dos transtornos alimentares.
Mangweth e cols, compararam 27 homens com diagnóstico de transtorno alimentar (sendo 17 com anorexia nervosa e 10 com bulimia nervosa), com 21 atletas masculinos e 21 homens normais não-atletas, usando um teste computadorizado da imagem do corpo, o "matrix somatomorphic". Quando era pedido para todos eles escolherem o corpo ideal que gostariam de ter, os homens com transtornos alimentares selecionaram uma imagem com a gordura de corpo muito próxima àquela escolhida pelos homens atletas e do grupo de controle.
Entretanto, havia grande diferença entre esses grupos quanto à percepção da imagem corporal, principalmente no tanto de gordura que a pessoa acredita ter. Os homens com transtornos alimentares se percebiam ser quase duas vezes mais gordos que realmente eram, e as pessoas do grupo controle não mostraram nenhuma tal distorção. Estes resultados foram muito semelhantes aos estudos realizados com mulheres portadoras de anorexia e bulimia, as quais também mostram uma percepção anormal da gordura corporal.
Há, nos vigoréxicos, uma inclinação patológica para o que se considera o protótipo do homem moderno, supostamente (e erroneamente, segundo pesquisa de Pope) desejável pelas mulheres. Há uma busca obsessiva em se tornar o modelo de homem, com um corpo fibroso, definido, musculoso, e devidamente glorificado pela televisão, pelo cinema, pelas revistas e passarelas de moda. A Vigorexia representa bem a sociedade onde "uma imagem vale mais que mil palavras", tornando os homens obcecados por seus corpos perfeitos.
A mesma preocupação e distorção com o esquema corporal constatado na Anorexia observa-se na Vigorexia. Na Anorexia as pacientes - geralmente mulher - acham-se ainda gordas, apensar de notavelmente magras e, na Vigorexia, acham-se fracas, apesar de notavelmente musculosas.
O problema é mais comum ter início na adolescência, período onde, naturalmente, as pessoas tendem a ser insatisfeitas com o próprio corpo e se submetem exageradamente aos ditames da cultura. Na adolescência existe uma pressão para as meninas se manterem magras e uma cobrança para que os meninos fiquem fortes e musculosos. A importância da identificação da Vigorexia precocemente, é no sentido de evitar que os adolescentes façam uso de drogas para obter os resultados desejados (ou fantasiados).
A Dismorfia Muscular é uma espécie de subdivisão de um quadro mais abrangente chamado de Transtorno Dismórfico Corporal, definido como uma preocupação com algum defeito imaginário na aparência física numa pessoa com aparência normal A Dismorfia Muscular seria uma alteração na percepção do esquema corporal, específica da estética muscular do corpo e não um defeito na percepção corporal imaginário qualquer. Os quadros mais comuns no Transtorno Dismórfico envolvem, principalmente, preocupações com defeitos faciais ou outras partes do corpo, cheiro corporal e aspectos da aparência. Quando diz respeito à visão distorcida e irreal da estética muscular falamos em Dismorfia Muscular.
O DSM.IV diz que a característica essencial do Transtorno Dismórfico Corporal (historicamente conhecido como Dismorfofobia) é uma preocupação com um defeito na aparência, sendo este defeito imaginado ou, se uma ligeira anomalia física está realmente presente, a preocupação do indivíduo é acentuadamente excessiva e desproporcional
ORTOREXIA
Seguindo a moda das "exias", como Anorexia, Vigorexia, etc, descreve-se também, dentro das "patologias culturais", o exagero em dietas naturalistas. Essa obsessão dietética pode revelar sintomas de um transtorno recém batizado de Ortorexia Nervosa. A palavra é um neologismo baseado no grego, em que orthós significa "correto" e "verdadeiro", e oréxis quer dizer apetite.
Trata-se de um quadro onde o portador é alguém muito preocupado com os hábitos alimentares e dedica grande parte do tempo a planejar, comprar, preparar e fazer refeições. A diferença entre essa Ortorexia e a Síndrome do Gourmet, é que nesta não há nenhuma preocupação com os alimentos "politicamente corretos". Além de esse traço obsessivo alimentar, o paciente dispõe de um autocontrole rigoroso para não se render diante das tentações da mesa.
Aliás essas pessoas sentem-se superiores a quem se esbalda nos pecados das impurezas de um filé ao ponto ou de uma guloseima em calda de chocolate. Com o tempo esses pacientes acabam adotando comportamentos nutricionais cada vez mais restritivos, com prejuízo da sociabilidade ou, o que é pior, passam a ter uma desagradável iniciativa de convencer todo mundo a entrar para sua turma. Isso gera conflitos e dificuldades de relacionamento, arriscando a pessoa a ficar falando sozinha.
Como provável indício (pródromo) da Ortorexia surge a macrobiótica, com sua exclusividade no consumo de frutas, legumes e folhas. Na base da personalidade desses pacientes está uma forte inclinação obsessiva, tanto quanto se vê na Vigorexia, uma preocupação exagerada e tirânica com a perfeição e uma rigidez cega às normas e regras. Nesse sentido, entraria a alimentação considerada politicamente correta e pretensamente saudável.
Esses excessos de retidão dietética podem colocar a saúde da pessoa em sério risco devido à grande perda de peso e carência de componentes nutritivos. Os autores, de modo geral, acham cedo classificar esses casos como uma doença autônoma, preferindo considerá-los como variantes sintomáticos dos Transtornos Alimentares, da Anorexia ou da Vigorexia (Transtorno Dismórfico Corporal), ambos situados dentro do Espectro Obsessivo-Compulsivo.
Esse quadro não se trata, simplesmente, da pessoa ser vegetariana. Mesmo entre vegetarianos deve primar o bom senso, havendo aqueles que criticam a posturas mais radicais.
Os pacientes acometidos de Vigorexia compartilham com os portadores de Dismorfia Corporal e Anorexia os mesmos pensamentos obsessivos, e todos eles executam alguns rituais repetitivos diante do espelho, o qual sempre lhes mostra sua imagem distorcida.
Harrisom G. Pope descreveu esse quadro pela primeira vez em 1993, chamando-o inicialmente de Anorexia Reversa. Em seus últimos trabalhos Pope preferiu usar o termo "Complexo de Adônis", reconhecendo que os homens eram os principais acometidos e, mais raramente, algumas mulheres. Esse autor observou existirem muitos elementos em comum entre a Vigorexia e outros transtornos alimentares, notadamente com a Anorexia Nervosa. Apontou algumas das características em comum:
Características Comuns da Anorexia e da Vigorexia
1. Preocupação exagerada com o próprio corpo
2. Distorção da Imagem Corporal
3. Baixa autoestima
4. Personalidade Introvertida
5. Fatores sócio-culturais comuns
6. Tendência a automedicação
7. Idade de aparecimento igual (adolescência)
8. Modificações da dieta
Diferenças Básicas entre a Vigorexia e a Anorexia
Anorexia
Autoimagem Obeso
Automedicação laxantes, diuréticos
Sexo Feminino
Vigorexia
Autoimagem de fraco
Automedicação anabolizantes
Sexo Masculino
Transtorno Dismórfico Corporal e Transtorno Dismórfico Muscular
Pacientes com Transtorno Dismórfico Corporal sofrem de idéias persistentes sobre o modo como percebem a própria aparência corporal, portanto, todo paciente com Vigorexia tem também Transtorno Dismórfico Corporal. Esses pensamentos persistentes, intrusivos, difíceis de resistir, invadindo a consciência e em geral acompanhados por compulsões rituais de olhar-se no espelho constantemente seriam muito semelhantes aos pensamentos obsessivos dos pacientes com Transtorno Obsessivo-Compulsivo.
Essas idéias obsessivas sobre defeitos no próprio corpo são, em geral, egodistônicas, ou seja, estão em desacordo com o gosto da pessoa, portanto, fazem a pessoa sofrer.
No Transtorno Dismórfico Corporal são mais comuns as queixas que envolvem defeitos faciais, como por exemplo a forma ou tamanho do nariz, do queixo, a calvície, etc. mas, não obstante podem envolver outros órgãos ou funções, como a preocupação com o cheiro corporal que exalam, mau hálito, odor dos pés, etc.
Choi1, Pope e Olivardia definem o Transtorno Dismórfico Muscular como uma nova síndrome onde as pessoas, geralmente homens, independentemente de sua musculatura (embora normalmente sejam bem desenvolvidos), têm uma opinião patológica a respeito do próprio corpo, acreditando terem uma musculatura muito pequena.
A co-morbidade do Transtorno Dismórfico Corporal ou de sua variante, o Transtorno Dismórfico Muscular (Dismorfia Muscular), com outros quadros psiquiátricos, tais como a Fobia Social, o Transtorno Obsessivo-Compulsivo, a Depressão e outros quadros delirantes é bastante freqüente. Com Depressão e Ansiedade essa co-morbidade chega a 50% dos casos, especialmente com quadros de ansiedade tipo Pânico.
Com o Transtorno Obsessivo-Compulsivo clássico, Fobia Social e Anorexia Nervosa a comorbidade também é alta, em torno de 40%. Pacientes com Transtorno Dismórfico Corporal em geral são perfeccionistas e podem ter traços de personalidade obsessivos ou esquizóides.
Critérios Diagnósticos para F45.2 (CID.10) ou 300.7 (DSM.IV) do Transtorno Dismórfico Corporal
A. Preocupação com um imaginado defeito na aparência. Se uma ligeira anomalia física está presente, a preocupação do indivíduo é acentuadamente excessiva.
B. A preocupação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
C. A preocupação não é melhor explicada por outro transtorno mental (por ex., insatisfação com a forma e o tamanho do corpo na Anorexia Nervosa).
Causas
Ainda que não se tenham dúvidas sobre o forte elemento sociocultural no desenvolvimento e na incidência da Vigorexia, também parece que a patologia esteja relacionada com desequilíbrios de diversos neurotransmissores do sistema nervoso central, mais precisamente da serotonina.
Também a causa do Transtorno Dismórfico Corporal é desconhecida, embora existam relatos de algum envolvimento orgânico em casos que tiveram início pós-encefalite ou meningite. Isso reforça a hipótese de envolvimento ou disfunção dos gânglios da base nestes quadros. Essa mesma hipótese tem sido emprestada ao Transtorno Obsessivo-Compulsivo e outros transtornos do espectro obsessivo-compulsivo.
Para Pope, pode-se recorrer a fármacos que atuem sobre esses neurotransmissores para o tratamento dessa doença. A própria resposta positiva dos medicamentos bloqueadores seletivos da recaptação de serotonina tem sugerido que os sintomas de Transtorno Dismórfico Corporal estejam relacionados à função da serotonina. Existem relatos de exacerbação dos sintomas do quadro com o uso de maconha, a qual também tem ação serotoninérgica. Veja Transtorno Dismórfico Corporal no DSM.IV
Entretanto, a psicoterapia é fundamental e deve ser, preferencialmente, comportamental e cognitiva. O objetivo é modificar a conduta da pessoa, recuperando sua autoestima e superando o medo do fracasso social.
Incidência
Os transtornos derivados da excessiva preocupação com o corpo estão se convertendo numa verdadeira epidemia. Desejar com ardor uma imagem perfeita não implica sofrer de uma doença mental, mas aumenta as possibilidades de que esta apareça. Ainda que haja hipóteses biológicas para estes transtornos, como por exemplo, eventuais alterações nos desequilíbrios nos níveis de serotonina e outros neurotransmissores cerebrais, não cabem dúvidas de que os fatores sócio-culturais e educativos têm uma grande influência em sua incidência.
Os portadores de Vigorexia são, em sua maioria, homens entre 18 e 35 anos, os quais começam a dedicar demasiado tempo (entre 3 e 4 horas diárias) a atividade de modelação física, resultando em algum tipo de prejuízo sócio-ocupacional. A idade de início mais comum do Transtorno Dismórfico Corporal também é no final da adolescência ou início da idade adulta. A média de idade está em torno dos 20 anos, não sendo raro que o diagnóstico seja feito mais tardiamente. Por causa dessas coincidências é que a Vigorexia (ou Transtorno Dismórfico Muscular) pode ser incluída dentro do Transtorno Dismórfico Corporal.
Segundo dados de Pope, entre 9 milhões de norte-americanos que freqüentam academias de ginástica, existe perto de um milhão de pessoas afetadas por um transtorno de ordem emocional que os impede ver-se como são na realidade. Por mais treinamento que essas pessoas realizem, por mais musculatura que desenvolvam, elas sempre se acharão fracas, débeis, raquíticas e sem nenhum atrativo físico. Esses seriam os vigoréxicos.
Fonte:http://gballone.sites.uol.com.br/alimentar/vigorexia.html
A adicção ou dependência ao exercício, também chamada de Vigorexia ou Overtraining, em inglês, é um transtorno no qual as pessoas realizam práticas esportivas de forma continua, com uma valorização praticamente religiosa (fanatismo) ou a tal ponto de exigir constantemente seu corpo sem importar com eventuais conseqüências ou contra-indicações, mesmo medicamente orientadas.
É bastante curioso observar como as patologias mentais ou, no mínimo, os sintomas mentais evoluem e se transformam ao longo do tempo ou entre as diversas culturas, mostrando-se sensíveis às mudanças sócio-culturais. Observa-se que a prevalência das Doenças Mentais está absolutamente associada a uma época determinada e a determinados valores culturais.
A Vigorexia está nascendo no seio de uma sociedade consumista, competitiva, frívola até certo ponto e onde o culto à imagem acaba adquirindo, praticamente, a categoria de religião. A Vigorexia e, em geral os Transtornos Alimentares exemplificam bem a influência sociocultural na incidência de alguns transtornos emocionais.
Com toda certeza, a Vigorexia é uma das mais recentes patologias emocionais estimuladas pela cultura, e nem foi ainda catalogada como doença específica pelos manuais de classificação (CID.10 e DSM.IV).
A Vigorexia, mais comum em homens, se caracteriza por uma preocupação excessiva em ficar forte a todo custo. Apesar dos portadores desses transtornos serem bastante musculosos, passam horas na academia malhando e ainda assim se consideram fracos, magros e até esqueléticos. Uma das observações psicológicas desses pacientes é que têm vergonha do próprio corpo, recorrendo assim aos exercícios excessivos e à fórmulas mágicas para acelerar o fortalecimento, como por exemplo os esteróides anabolizantes.
As pesquisas sobre dependência (ou adicção) a quaisquer coisas caminham, hoje em dia, através da Psiquiatria, da Psicologia Experimental e da Neurobiologia no sentido de se identificar elementos emocionais e biológicos que contribuem para alterar o equilíbrio do prazer (homeostasia hedonista), levando assim à dependência ou adicção. A palavra "adicção", em português, é um neologismo técnico que quer dizer, de fato, "drogadicção".
O termo Vigorexia, ou Síndrome de Adônis, foi primeiramente assim denominado pelo psiquiatra americano Harrisom G. Pope, da Faculdade de Medicina de Harvarde, Massachusetts. Os estudos de Pope foram publicados na revista Psychosomatic Medicine com a observação de que cerca de um milhão de norte-americanos entre os nove milhões adeptos à musculação podem estar acometidos pela patologia emocional. As duas rexias, Anorexia e Vigorexia foram consideradas por Pope como doenças ligadas à perda de controle de impulsos narcisistas.
Apesar de todas as características clínicas da Vigorexia, vários autores não a consideram uma nova doença ou uma entidade clínica própria mas sim, uma manifestação clínica de um quadro já amplamente descrito; o Transtorno Dismórfico Corporal. Essa manifestação clínica separada seria o chamado Transtorno Dismórfico Muscular (ou Vigorexia).
Vigorexia ou Síndrome de Adônis
A escravização que as pessoas das sociedades civilizadas se submetem aos padrões de beleza tem sido um dos fatores sócio-culturais associados ao incremento da incidência dos Transtornos Dismórficos, sejam Corporais (associados à Anorexia e Bulimia) ou Musculares (Vigorexia).
O habitual desejável ao ser humano moderno é estar moderadamente preocupado com seu corpo, sem que essa preocupação se converta numa obsessão. O ideal desejável e sadio não é o padrão imposto pelas revistas de beleza e pelos modelos publicitários mas sim, estar satisfeito consigo mesmo e aceitar-se como é. Mas quem, na adolescência não se sentiu complexado alguma vez, ao menos pelo tamanho de seu nariz? Quem não sofreu com a acne na puberdade?
Tais complexos acabam gerando insegurança social, podem agravar a introversão e timidez. A atitude mais habitual, apesar de inocente, é acreditar que a timidez e insegurança sociais seriam resolvidas caso a pessoa fosse bela, forte, um modelo de homem perfeito, um corpo escultural. Nasce aí a obsessão de beleza física e perfeição, os quais se convertem em autênticas doenças emocionais, acompanhadas de severa ansiedade, depressão, fobias, atitudes compulsivas e repetitivas (olhadas seguidas no espelho) e que conduzem ao chamado Transtorno Dismórfico Corporal.
O termo Dismorfia Corporal foi proposto em 1886 pelo italiano Morselli. Freud descreveu o caso do "Homem Lobo", uma pessoa que, apesar de ter um excesso de pelos no corpo, centrava sua excessiva preocupação na forma e tamanho de seu nariz. Ele o via horrível, proeminente e cheio de cicatrizes.
Embora exista um grande número de pessoas mais ou menos preocupadas com sua aparência, para ser diagnosticado Dismorfia, deve haver sofrimento significativo e uma reiterada obsessão com alguma parte do corpo que impeça uma vida normal. Quando esse quadro todo se fixa na questão muscular, havendo uma busca obsessiva para uma silhueta perfeita, o transtorno se chamará Vigorexia ou Transtorno Dismórfico Muscular.
A busca de um corpo perfeito e musculoso a qualquer preço começa, então, a ser tratada como uma patologia. A Vigorexia, ou Síndrome de Adônis, é um transtorno emocional assim denominado pelo psiquiatra americano Harrison G. Pope da Faculdade de Medicina de Harvard, Massachusetts (veja a entrevista com Pope em Notícias PsiqWeb).
Os estudos de Pope foram publicados na revista Psychosomatic Medicine, e constaram da observação de adictos à musculação, e comprovaram que entre mais de 9 milhões de norte-americanos que freqüentam regularmente academias de ginástica, cerca de um milhão poderia estar acometido por este transtorno emocional.
A Vigorexia, como vimos pode ser sinônimo de Dismorfia Muscular (ou Transtorno Dismórfico Muscular) e não é casualidade que o nome Vigorexia rime com Anorexia.
As duas doenças promovem a distorção da imagem que os pacientes têm sobre si mesmos: os anoréxicos nunca se acham suficientemente magros, os Vigoréxicos nunca se acham suficientemente musculosos. Ambas podem ser consideradas como "patologias do narcisismo". Alguns autores já estão atribuindo o aparecimento da Vigorexia à moda e à um estilo de vida tipo "vigilante da praia".
Não se trata, simplesmente, de fazer exercícios para receber o diagnóstico de Vigorexia. Os exercícios orientados, com indicação médica ou terapêutica, recreativos e/ou de condicionamento continuam sendo muito bem vindos na medicina e na psiquiatria.
Entretanto, as pessoas que treinam exaustivamente, não apenas para se sentirem bem, mas para ficarem estupendos e perfeitos, são sérios candidatos ao diagnóstico de Vigorexia. Normalmente essas pessoas estão dispostas a manter uma dieta rigorosa, a tomar fármacos e a treinar duro para conseguir seu objetivo. Elas perdem a noção de sua própria corporeidade e nunca param ou ficam satisfeitos.
Os sintomas da Vigorexia se evidenciam pela obsessão em tornar-se musculosos. Essas pessoas olham-se constantemente no espelho e, apesar de musculosos, podem ver-se enfraquecidos ou distantes de seus ideais. Sentirem-se assim "incompletos", faz com que eles invistam todas as horas possíveis em exercícios e ginásticas para aumentar sua musculatura.
Es difícil estabelecer limites entre um exercício saudável e um exercício obsessivo, mas é bom lembrar que os vigoréxicos, além da musculação continuada, comem de forma atípica e exagerada. Esses pacientes se pesam várias vezes por dia e fazem continuadas comparações com outros companheiros de academia. A doença vai derivando num quadro obsessivo-compulsivo, de tal forma que eles se sentem fracassados, abandonam suas atividades e se isolam em academias dia e noite.
Alguns anoréxicos podem chegar a ingerir mais de 4.500 calorias diárias (o normal para uma pessoa é 2.500), e sempre acompanhado por numerosos e perigosos complementos vitamínicos, hormonais e anabolizantes. Tudo isso é feito com o propósito de aumentar a massa muscular, mesmo tendo sido alertados quanto aos graves efeitos colaterais desse estilo de vida.
A Vigorexia deve ser considerada um transtorno da linhagem obsessivo-compulsiva, tanto pela obsessão em musculatura, pela compulsão aos exercícios e ingestão de substâncias que aumentam a massa muscular, quanto pela fragrante distorção do esquema corporal.
Todavia, apesar de ser clinicamente característica, a Vigorexia não está ainda incluída nas classificações tradicionais de transtornos mentais (CID.10 e DSM.IV), embora possa ser considerada uma espécie de Dismorfia Corporal, já que também é conhecida com o nome de Dismorfia Muscular.
Personalidade da Vigorexia
Podemos encontrar, entre portadores de Vigorexia, pessoas que só buscam a figura perfeita, influenciadas por modelos culturais atuais, ou esportistas que querem obsessivamente chegar a ser os melhores, exigindo insensatamente de seu organismo até sua meta ser alcançada. Recentemente temos visto também, entre os vigoréxicos, pessoas portadoras de personalidade introvertida, cuja timidez ou retraimento social favorecem uma busca do corpo perfeito como compensação aos sentimentos de inferioridade.
Estas pessoas possuem alguns traços característicos de personalidade, costumam ter baixa autoestima e muitas dificuldades para integrar-se socialmente, costumam ser introvertidas e podem, com freqüência, rejeitar ou aceitar com sofrimento a própria imagem corporal. Em alguns casos, a obsessão com o próprio corpo se parece muito com o mesmo fenômeno observado na anorexia nervosa.
O fisiculturismo é um dos esportes que mais comumente se relaciona com este tipo de transtorno, mas isso não significa que todos fisiculturistas tenham Vigorexia. Os vigoréxicos praticam seus esportes e ginásticas sem levar em conta ou sem se importarem com as condições climáticas, condições físicas limitadoras ou mesmo inadequações circunstanciais do dia-a-dia, chegando a sentirem-se incomodados ou culpados quando não podem realizar essas atividades.
Os critérios de diagnóstico para a Vigorexia ainda não estão claramente estabelecidos por tratar-se de um transtorno tornado freqüente mais recentemente, possivelmente depois da última edição do CID.10 e DSM.IV, portanto, ainda não reconhecido como um uma doença clássica e característica pelas classificações internacionais.
Conseqüências da Vigorexia
Uma das conseqüências da vigorexia ou overtraining, dizem respeito ao excesso de treinamento e às reações corporais que avisam, por assim dizer, que algo está errado. São reações semelhantes ao estresse tais como: insônia, falta de apetite, irritabilidade, desinteresse sexual, fraqueza, cansaço constante, dificuldade de concentração entre outras.
Além da obsessão com o corpo perfeito, a Vigorexia também produz uma importante mudança nos hábitos e atitudes dos pacientes, notadamente na questão alimentar. Até a mínima caloria ingerida será contabilizada e medida com máxima atenção, pois a beleza corporal dependerá disso. A vida do anoréxico gira em torno dos cuidados com seu corpo, sua dieta é minuciosamente regulada, eliminando-se totalmente as gorduras e, ao contrário, consumindo-se excessivamente as proteínas. Esse desequilíbrio alimentar acaba por sobrecarregar o fígado, obrigando-o a desempenhar um trabalho extra.
A Vigorexia causa problemas físicos e estéticos, como por exemplo, a desproporção displásica, também entre o corpo e cabeça, problemas ósseos e articulares devido ao peso excessivo, falta de agilidade e encurtamento de músculos e tendões.
A situação se agrava quando surge o consumo de esteróides e anabolizantes com o fim de conseguir "melhores resultados". O consumo destas sustâncias aumenta o risco de doenças cardiovasculares, lesões hepáticas, disfunções sexuais, diminuição do tamanho dos testículos e maior propensão ao câncer da próstata.
Emocionalmente, segundo estudos de Pope, a Vigorexia pode ter como conseqüência um quadro de Transtorno Obsessivo-conpulsivo, fazendo com que os pacientes se sintam fracassados e abandonem suas atividades sociais, inclusive de trabalho, com o propósito de treinar e exercitar-se sem descanso.
Costuma haver algum grau significativo de comprometimento social e/ou ocupacional nos pacientes portadores de Vigorexia, e sua qualidade de vida pode ser agravada ainda por procedimentos potencialmente iatrogênicos e onerosos, como tratamentos cirúrgicos e dermatológicos desnecessários.
Sintomas e Patologia da Vigorexia
Psiquiatricamente o quadro mais diretamente associado à Vigorexia é a chamada Dismorfia Muscular (ou Transtorno Dismórfico Muscular), uma patologia psíquica das pessoas excessivamente preocupadas com a própria aparência, constantemente insatisfeitas com seus músculos e continuadamente em obsessiva busca da perfeição.
O sintoma central parece ser uma distorção na percepção do próprio corpo e deste sintoma decorrem os demais, como por exemplo, a obsessão pelos exercícios e dietas especiais. Esse tipo de sintoma básico (percepção distorcida do próprio corpo) também é o sintoma principal dos transtornos alimentares.
Mangweth e cols, compararam 27 homens com diagnóstico de transtorno alimentar (sendo 17 com anorexia nervosa e 10 com bulimia nervosa), com 21 atletas masculinos e 21 homens normais não-atletas, usando um teste computadorizado da imagem do corpo, o "matrix somatomorphic". Quando era pedido para todos eles escolherem o corpo ideal que gostariam de ter, os homens com transtornos alimentares selecionaram uma imagem com a gordura de corpo muito próxima àquela escolhida pelos homens atletas e do grupo de controle.
Entretanto, havia grande diferença entre esses grupos quanto à percepção da imagem corporal, principalmente no tanto de gordura que a pessoa acredita ter. Os homens com transtornos alimentares se percebiam ser quase duas vezes mais gordos que realmente eram, e as pessoas do grupo controle não mostraram nenhuma tal distorção. Estes resultados foram muito semelhantes aos estudos realizados com mulheres portadoras de anorexia e bulimia, as quais também mostram uma percepção anormal da gordura corporal.
Há, nos vigoréxicos, uma inclinação patológica para o que se considera o protótipo do homem moderno, supostamente (e erroneamente, segundo pesquisa de Pope) desejável pelas mulheres. Há uma busca obsessiva em se tornar o modelo de homem, com um corpo fibroso, definido, musculoso, e devidamente glorificado pela televisão, pelo cinema, pelas revistas e passarelas de moda. A Vigorexia representa bem a sociedade onde "uma imagem vale mais que mil palavras", tornando os homens obcecados por seus corpos perfeitos.
A mesma preocupação e distorção com o esquema corporal constatado na Anorexia observa-se na Vigorexia. Na Anorexia as pacientes - geralmente mulher - acham-se ainda gordas, apensar de notavelmente magras e, na Vigorexia, acham-se fracas, apesar de notavelmente musculosas.
O problema é mais comum ter início na adolescência, período onde, naturalmente, as pessoas tendem a ser insatisfeitas com o próprio corpo e se submetem exageradamente aos ditames da cultura. Na adolescência existe uma pressão para as meninas se manterem magras e uma cobrança para que os meninos fiquem fortes e musculosos. A importância da identificação da Vigorexia precocemente, é no sentido de evitar que os adolescentes façam uso de drogas para obter os resultados desejados (ou fantasiados).
A Dismorfia Muscular é uma espécie de subdivisão de um quadro mais abrangente chamado de Transtorno Dismórfico Corporal, definido como uma preocupação com algum defeito imaginário na aparência física numa pessoa com aparência normal A Dismorfia Muscular seria uma alteração na percepção do esquema corporal, específica da estética muscular do corpo e não um defeito na percepção corporal imaginário qualquer. Os quadros mais comuns no Transtorno Dismórfico envolvem, principalmente, preocupações com defeitos faciais ou outras partes do corpo, cheiro corporal e aspectos da aparência. Quando diz respeito à visão distorcida e irreal da estética muscular falamos em Dismorfia Muscular.
O DSM.IV diz que a característica essencial do Transtorno Dismórfico Corporal (historicamente conhecido como Dismorfofobia) é uma preocupação com um defeito na aparência, sendo este defeito imaginado ou, se uma ligeira anomalia física está realmente presente, a preocupação do indivíduo é acentuadamente excessiva e desproporcional
ORTOREXIA
Seguindo a moda das "exias", como Anorexia, Vigorexia, etc, descreve-se também, dentro das "patologias culturais", o exagero em dietas naturalistas. Essa obsessão dietética pode revelar sintomas de um transtorno recém batizado de Ortorexia Nervosa. A palavra é um neologismo baseado no grego, em que orthós significa "correto" e "verdadeiro", e oréxis quer dizer apetite.
Trata-se de um quadro onde o portador é alguém muito preocupado com os hábitos alimentares e dedica grande parte do tempo a planejar, comprar, preparar e fazer refeições. A diferença entre essa Ortorexia e a Síndrome do Gourmet, é que nesta não há nenhuma preocupação com os alimentos "politicamente corretos". Além de esse traço obsessivo alimentar, o paciente dispõe de um autocontrole rigoroso para não se render diante das tentações da mesa.
Aliás essas pessoas sentem-se superiores a quem se esbalda nos pecados das impurezas de um filé ao ponto ou de uma guloseima em calda de chocolate. Com o tempo esses pacientes acabam adotando comportamentos nutricionais cada vez mais restritivos, com prejuízo da sociabilidade ou, o que é pior, passam a ter uma desagradável iniciativa de convencer todo mundo a entrar para sua turma. Isso gera conflitos e dificuldades de relacionamento, arriscando a pessoa a ficar falando sozinha.
Como provável indício (pródromo) da Ortorexia surge a macrobiótica, com sua exclusividade no consumo de frutas, legumes e folhas. Na base da personalidade desses pacientes está uma forte inclinação obsessiva, tanto quanto se vê na Vigorexia, uma preocupação exagerada e tirânica com a perfeição e uma rigidez cega às normas e regras. Nesse sentido, entraria a alimentação considerada politicamente correta e pretensamente saudável.
Esses excessos de retidão dietética podem colocar a saúde da pessoa em sério risco devido à grande perda de peso e carência de componentes nutritivos. Os autores, de modo geral, acham cedo classificar esses casos como uma doença autônoma, preferindo considerá-los como variantes sintomáticos dos Transtornos Alimentares, da Anorexia ou da Vigorexia (Transtorno Dismórfico Corporal), ambos situados dentro do Espectro Obsessivo-Compulsivo.
Esse quadro não se trata, simplesmente, da pessoa ser vegetariana. Mesmo entre vegetarianos deve primar o bom senso, havendo aqueles que criticam a posturas mais radicais.
Os pacientes acometidos de Vigorexia compartilham com os portadores de Dismorfia Corporal e Anorexia os mesmos pensamentos obsessivos, e todos eles executam alguns rituais repetitivos diante do espelho, o qual sempre lhes mostra sua imagem distorcida.
Harrisom G. Pope descreveu esse quadro pela primeira vez em 1993, chamando-o inicialmente de Anorexia Reversa. Em seus últimos trabalhos Pope preferiu usar o termo "Complexo de Adônis", reconhecendo que os homens eram os principais acometidos e, mais raramente, algumas mulheres. Esse autor observou existirem muitos elementos em comum entre a Vigorexia e outros transtornos alimentares, notadamente com a Anorexia Nervosa. Apontou algumas das características em comum:
Características Comuns da Anorexia e da Vigorexia
1. Preocupação exagerada com o próprio corpo
2. Distorção da Imagem Corporal
3. Baixa autoestima
4. Personalidade Introvertida
5. Fatores sócio-culturais comuns
6. Tendência a automedicação
7. Idade de aparecimento igual (adolescência)
8. Modificações da dieta
Diferenças Básicas entre a Vigorexia e a Anorexia
Anorexia
Autoimagem Obeso
Automedicação laxantes, diuréticos
Sexo Feminino
Vigorexia
Autoimagem de fraco
Automedicação anabolizantes
Sexo Masculino
Transtorno Dismórfico Corporal e Transtorno Dismórfico Muscular
Pacientes com Transtorno Dismórfico Corporal sofrem de idéias persistentes sobre o modo como percebem a própria aparência corporal, portanto, todo paciente com Vigorexia tem também Transtorno Dismórfico Corporal. Esses pensamentos persistentes, intrusivos, difíceis de resistir, invadindo a consciência e em geral acompanhados por compulsões rituais de olhar-se no espelho constantemente seriam muito semelhantes aos pensamentos obsessivos dos pacientes com Transtorno Obsessivo-Compulsivo.
Essas idéias obsessivas sobre defeitos no próprio corpo são, em geral, egodistônicas, ou seja, estão em desacordo com o gosto da pessoa, portanto, fazem a pessoa sofrer.
No Transtorno Dismórfico Corporal são mais comuns as queixas que envolvem defeitos faciais, como por exemplo a forma ou tamanho do nariz, do queixo, a calvície, etc. mas, não obstante podem envolver outros órgãos ou funções, como a preocupação com o cheiro corporal que exalam, mau hálito, odor dos pés, etc.
Choi1, Pope e Olivardia definem o Transtorno Dismórfico Muscular como uma nova síndrome onde as pessoas, geralmente homens, independentemente de sua musculatura (embora normalmente sejam bem desenvolvidos), têm uma opinião patológica a respeito do próprio corpo, acreditando terem uma musculatura muito pequena.
A co-morbidade do Transtorno Dismórfico Corporal ou de sua variante, o Transtorno Dismórfico Muscular (Dismorfia Muscular), com outros quadros psiquiátricos, tais como a Fobia Social, o Transtorno Obsessivo-Compulsivo, a Depressão e outros quadros delirantes é bastante freqüente. Com Depressão e Ansiedade essa co-morbidade chega a 50% dos casos, especialmente com quadros de ansiedade tipo Pânico.
Com o Transtorno Obsessivo-Compulsivo clássico, Fobia Social e Anorexia Nervosa a comorbidade também é alta, em torno de 40%. Pacientes com Transtorno Dismórfico Corporal em geral são perfeccionistas e podem ter traços de personalidade obsessivos ou esquizóides.
Critérios Diagnósticos para F45.2 (CID.10) ou 300.7 (DSM.IV) do Transtorno Dismórfico Corporal
A. Preocupação com um imaginado defeito na aparência. Se uma ligeira anomalia física está presente, a preocupação do indivíduo é acentuadamente excessiva.
B. A preocupação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
C. A preocupação não é melhor explicada por outro transtorno mental (por ex., insatisfação com a forma e o tamanho do corpo na Anorexia Nervosa).
Causas
Ainda que não se tenham dúvidas sobre o forte elemento sociocultural no desenvolvimento e na incidência da Vigorexia, também parece que a patologia esteja relacionada com desequilíbrios de diversos neurotransmissores do sistema nervoso central, mais precisamente da serotonina.
Também a causa do Transtorno Dismórfico Corporal é desconhecida, embora existam relatos de algum envolvimento orgânico em casos que tiveram início pós-encefalite ou meningite. Isso reforça a hipótese de envolvimento ou disfunção dos gânglios da base nestes quadros. Essa mesma hipótese tem sido emprestada ao Transtorno Obsessivo-Compulsivo e outros transtornos do espectro obsessivo-compulsivo.
Para Pope, pode-se recorrer a fármacos que atuem sobre esses neurotransmissores para o tratamento dessa doença. A própria resposta positiva dos medicamentos bloqueadores seletivos da recaptação de serotonina tem sugerido que os sintomas de Transtorno Dismórfico Corporal estejam relacionados à função da serotonina. Existem relatos de exacerbação dos sintomas do quadro com o uso de maconha, a qual também tem ação serotoninérgica. Veja Transtorno Dismórfico Corporal no DSM.IV
Entretanto, a psicoterapia é fundamental e deve ser, preferencialmente, comportamental e cognitiva. O objetivo é modificar a conduta da pessoa, recuperando sua autoestima e superando o medo do fracasso social.
Incidência
Os transtornos derivados da excessiva preocupação com o corpo estão se convertendo numa verdadeira epidemia. Desejar com ardor uma imagem perfeita não implica sofrer de uma doença mental, mas aumenta as possibilidades de que esta apareça. Ainda que haja hipóteses biológicas para estes transtornos, como por exemplo, eventuais alterações nos desequilíbrios nos níveis de serotonina e outros neurotransmissores cerebrais, não cabem dúvidas de que os fatores sócio-culturais e educativos têm uma grande influência em sua incidência.
Os portadores de Vigorexia são, em sua maioria, homens entre 18 e 35 anos, os quais começam a dedicar demasiado tempo (entre 3 e 4 horas diárias) a atividade de modelação física, resultando em algum tipo de prejuízo sócio-ocupacional. A idade de início mais comum do Transtorno Dismórfico Corporal também é no final da adolescência ou início da idade adulta. A média de idade está em torno dos 20 anos, não sendo raro que o diagnóstico seja feito mais tardiamente. Por causa dessas coincidências é que a Vigorexia (ou Transtorno Dismórfico Muscular) pode ser incluída dentro do Transtorno Dismórfico Corporal.
Segundo dados de Pope, entre 9 milhões de norte-americanos que freqüentam academias de ginástica, existe perto de um milhão de pessoas afetadas por um transtorno de ordem emocional que os impede ver-se como são na realidade. Por mais treinamento que essas pessoas realizem, por mais musculatura que desenvolvam, elas sempre se acharão fracas, débeis, raquíticas e sem nenhum atrativo físico. Esses seriam os vigoréxicos.
Fonte:http://gballone.sites.uol.com.br/alimentar/vigorexia.html
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